A cozinha mexicana a dez anos de ser Patrimônio Cultural da Humanidade
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Shadia Asencio - 2020-09-18T09:45:50Z
Para encerrar a semana patriótica, falemos do elefante verde, branco e vermelho da sala: a cozinha nacional é insuperável. Enquanto o taco rouba a atenção internacional, é preciso ser conterrâneo para compreender a complexidade, amplitude e delícia da nossa gastronomia; os entrañáveis guisados regionais, as tradições patronais, os temperos cozidos em panela de barro, sob o calor do pib ou na incandescência da brasa. Já disse a UNESCO há exatamente dez anos, a cozinha tradicional mexicana é patrimônio do mundo, uma cultura que vale a pena preservar por séculos e séculos. Basta olhar para o gergelim de todos os moles: o mole. Sua complexidade ressoa na infinidade de ingredientes que o compõem – alguns deles tão improváveis como biscoitos de animal – em suas acepções regionais, nas sutilezas que se modificam de acordo com as festividades como o Dia dos Mortos, em sua amplitude cromática que abrange quase todas as cores do arco-íris. O mole, molho denso que nos reveste tanto a memória quanto a colher de arroz mais humilde, deve sua honra, mais do que a suas receitas, à tradição em torno de sua preparação.Assim como no mole, o mestiçagem e a cultura se misturam como tintas a óleo nas cozinhas tradicionais do México, tanto que há dez anos a UNESCO nomeou sua totalidade como patrimônio da humanidade. Na declaração, não era preciso ser esfinge: era necessário apresentar um caso de estudo, reunir uma infinidade de requisitos e informações por parte de um grupo multidisciplinar de cozinheiros, historiadores, antropólogos e até engenheiros de alimentos com o objetivo de perseverar. O resultado foi uma condecoração como nunca havia sido concedida a outro país. A cozinha tradicional mexicana é nossa Muralha da China, nosso Machu Picchu cultural. Segundo o escritor e historiador da cozinha mexicana José N. Iturriaga, não é que outras cozinhas não tenham sido honradas antes ou depois. Nos últimos anos, outras maravilhas culinárias foram protegidas, como, por exemplo, a etiqueta na cozinha francesa, a dieta mediterrânea e a tradição japonesa na culinária, mas não assim a um país. A dez anos da decisão da declaração na qual se reconhecem as práticas, rituais e elaborados vinculados à nossa cozinha, merece-se voltar a celebrar o mérito. Celebrar que no México não há apenas 32 estados, mas uma infinidade de tradições que se preservam no fogo dos comales, das panelas, das vasilhas de barro. Celebrar, claro, as cozinheiras tradicionais que, segundo Iturriaga, “são o próprio objeto da declaração”, o livro atemporal dos saberes culinários de cada região. José N. Iturriaga, autor de livros como 'Saberes e delírios' ou 'Confesso que comi', afirma que parte da responsabilidade de ter uma cozinha protegida pela UNESCO é a de resgatar, salvaguardar e promover a tradição “mais do que um prato ou um ingrediente; preservar a cozinha de nossos povos, a cozinha dos mercados, das avós”.Para lograr isso, foi criado o Conservatório da Cultura Gastronômica Mexicana, um organismo consultor da UNESCO que realiza reuniões nacionais anuais, fóruns mundiais de gastronomia mexicana, seminários acadêmicos e até encontros de cozinheiras tradicionais. “Os pratos e tradições precisam receber novo vigor. Preservá-los e salvaguardá-los para que não caiam em desuso e se mantenham vivos. O principal sentido da organização é a conservação das tradições”. O que nos cabe hoje em casa é aprender e ensinar sobre a cozinha mexicana às gerações futuras. Desempacotar o tortilleiro e colocar lenha na fogueira. Colocar literalmente as mãos na massa e estender os fios da tradição até o infinito. Hoje, convido você a pegar alguma de nossas receitas tradicionais e prepará-la em família. Além de esculpir memórias, você fará história, fará cultura, será parte deste ritual iniciático que fez suspirar os primeiros mexicanos.