¿A que sabe a gastronomia da mixteca?
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Shadia Asencio - 2021-10-22T13:48:20Z
Dificilmente esquecerei aquele dia. Ao longo e largo da propriedade da família Maza, os tambores e os acordeões marcavam o passo dos dançarinos tradicionais. Ao redor, cozinheiras de toda a região mostravam seu ofício através de moles de todas as cores, adobos espessos e caldos picantes. O mezcal abria caminho entre as mesas. Tal cenário só poderia significar uma coisa: celebração. Alguns minutos antes, havia sido realizado o sacrifício de cabras na La Tradicional Matanza, Huajuapan de León, no âmbito do festival Cofradía Mixteca. Com esta primeira festa, também foi inaugurada a temporada de mole de caderas, tradição das regiões mixtecas de Oaxaca, Puebla e Guerrero. Os organizadores –Alejandro Ruiz (chef da Casa Oaxaca e presidente da CANIRAC em Oaxaca), Rodolfo Castellanos (chef de Origen), José Manuel Baños (chef de Pitiona) e Israel Loyola (chef do Restaurante Sin Nombre)–, pelo segundo ano consecutivo, convocaram em Oaxaca cozinheiras tradicionais e chefs dos restaurantes mais emblemáticos do México. Durante os quatro dias que durou o festival, fomos convidados a um desfile de saberes e cultura voltada para o prato com o fim de provar uma das sete gastronomias oaxaqueñas mais relevantes: a mixteca. No restaurante de Doña Chonita recebemos o sol com uma xícara de atole branco na mão e seu café da manhã mixteco. No restaurante Obispo passeamos por um menu degustação com paradas de barbacoa, milho quebrado e miúdos. Uma das noites brindamos com os mezcais de rastreabilidade de Archivo Maguey e comemos tetelas recheadas de amarillito em Maguey e Maíz. Mas talvez o auge tenha ocorrido no encerramento, no domingo. Os trinta e cinco cozinheiros convidados fizeram uso dos ingredientes, das técnicas e dos guisados da região para inspirar seus próprios sabores. Comemos toda sorte de delícias oaxaqueñas e outras mais com toques do mundo: mole com curry (de Oscar Torres), ensopado de cabra não nascida (de Chuy Villarreal), o mole de luto (de Celia Florián), jocoque com cogumelos (de Alfredo Villanueva), pepián de folha Santa e couve-flor (de Daniel Nates).E é que são necessários muitos dias e dezenas de mãos para exibir a gastronomia mixteca como merece. A região se destaca pela pobreza de seus solos, onde crescem poucos ingredientes; em contrapartida, a criatividade das comunidades é o que deu múltiplos frutos. (Se cada família tem uma forma de cozinhar certo guisado, a variável de pratos é infinita.) Na lista de tradições gastronômicas locais está a criação da cabra –atividade relevante desde a chegada dos espanhóis–, o uso do guaje e do chile costeño, bem como o cultivo de diversas espécies de milho.O mole de caderasA chef Olga Cabrera Oropeza é mixteca. Ela aprendeu tudo o que sabe de cozinha com sua avó –Doña Chonita–, sua mãe e sua sogra. No restaurante Tierra del Sol, instalado na capital oaxaqueña, recupera os sabores de sua comunidade em um contexto idílico.Para ela, “o mole de caderas é um dos pratos com mais identidade, pois é preparado com ingredientes locais, como o chile costeño, que dá picância a toda a nossa cozinha mixteca. E também tem guaje. É tão importante que, de fato, Huajuapan significa ‘guajes junto ao rio’”. As cabras, além disso, são alimentadas de maneira natural com ervas, como a pepicha, que crescem unicamente na região. Isso confere um sabor único e penetrante ao mole de caderas. Quando a temporada termina, a festa continua. Os locais preparam um mole de barbacoa, de sabor semelhante, que é feito a partir dos ossos da cabra.Os outros guisados mixtecosOlga me explicou que a cozinha mixteca tem cinco estandartes culinários: o chileajo, o pozole mixteco, o huachimole, o mole de festa e os outros moles feitos com semente de guaje. Dos chileajos, os mais comuns são o vermelho e o amarelo. E como seu nome indica, é preparado com alhos assados, cravos-da-índia, chiles costeños amarelos e gergelim.Confesso que nunca havia provado o pozole mixteco. Sob os cuidados de Doña Chonita e de Olga, dificilmente o esquecerei. Ao contrário de outros, é preparado com um milho nativo, mais duro que o pozolero, por isso é necessário manter o fogo da lenha aceso durante toda a noite. O caldo, feito com folha Santa, tem uma cor neutra. Quando se adiciona um mole especiado, com forte sabor a cravos, é que adquire essa cor avermelhada particular. Além do mixteco, na temporada de pozole, no mês de setembro, é preparado um pozole verde e o pozole da costa.O mole de festa mixteco é considerado negro, embora sua cor incline mais para o avermelhado. É levemente doce. Picante, apenas o suficiente. “O mole de festa mixteco é um mole espesso com muitas sementes: muita amêndoa, gergelim; as sementes do chile não as queimamos. Apenas passam por uma tosta. Os chiles devem ficar crocantes, mas não devem queimar porque este não é um mole amargo”, confirma Olga.Na cozinha mixteca, podem ser encontrados pães com fermentação de pulque que geralmente são assados ao nível do chão em fornos de pedra. “Temos doces de abóbora, pães recheados de abóbora, encaladas ou reganhadas”. As encaladas são umas tortillas doces, elaboradas a partir de farinha de trigo, e cobertas por uma camada esbranquiçada que se assemelha ao glacê. Elas são adornadas por salpicões de cor rosa. Por sua vez, as reganhadas são uma espécie de biscoitos com sabor de banha de porco e polvilhadas com açúcar e canela.Há muito mais. Em cinco dias provei tudo o que pude, mas as receitas escapavam entre meus dedos. Faltaria sentar à mesa de cada casa e descobrir preparações únicas, como a que a cozinheira tradicional e proprietária do Obispo, Uveira Cruz, me deixou provar no primeiro dia: um ensopado feito com azeitonas e frango que me assegurou, não provaria em outro lugar. Não sai da minha cabeça. Assim é a mixteca. Cada família é um livro de histórias e heranças e, cada guisado, uma linguagem tão única quanto o próprio sabor.