Camarões: os reis da cozinha mexicana do mar
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Shadia Asencio - 2022-04-22T13:32:37Z
No mar a vida é mais saborosa, mas é ainda mais saborosa se sua cozinha ronda os 11.122 quilômetros de litoral mexicano. As copiosas cozinhas regionais fizeram com que nossas receitas de mar fossem incalculáveis e uma caixa de Pandora que constantemente estamos descobrindo. Entre a infinidade de frutos do mar, não há dúvida de que o camarão é o rei. Oh, quanto te amamos camarão! Amamos descascá-lo e sujar nossas mãos com seus temperos que nos picam os lábios e os dedos. Amamos nos refrescar com você em um copo com michelada gelada. Amamos vê-lo mergulhado em um caldo substancioso que explode a ressaca. Amamos sua doçura defumada quando vem à brasa, quando está recheado ou empanado, na Quaresma ou no carnaval. O camarão é o rei da cozinha nacional do mar, talvez porque esteja presente em todas as latitudes: o Golfo do México, o Mar do Caribe e, claro, o Pacífico. A nível mundial, nossa produção representa o sétimo lugar e emerge das profundezas de Sinaloa, Sonora, Nayarit, Campeche, Tamaulipas e Oaxaca, principalmente. Outro dado interessante é que o camarão mexicano não é criado apenas no mar, também em rios e riachos, e seu sabor é altamente valorizado nas gastronomias nahuas de Tamaulipas, Veracruz e Puebla. Segundo dados do COMEPESCA, o camarão é consumido em todo o país, mas principalmente na CDMX, Estado do México, Guadalajara e no norte da República. Nós, mexicanos, adoramos porque, graças à quantidade de sais e minerais das águas –especificamente das águas do Oceano Pacífico–, tem um sabor levemente doce. E não, nem todos os camarões são iguais nem têm o mesmo sabor. Há o café Pacífico, o azul Pacífico, o camarão branco, o café do Golfo do México, o rosado, o sete barbas e o roca. Para Ricardo de Gorordo, chef do Los Curricanes em Tampico, o camarão mais saboroso vem das lagoas de água salgada. Segundo ele, só o viu no norte de Veracruz e em algumas partes de Tamaulipas: “é uma delícia e é consumido principalmente em coquetel e em huatape (um caldo típico regional)”.Quarenta por cento da produção de camarões do país é destinada ao consumo interno, enquanto 60% é exportado. A magia dos camarões silvestres do Pacífico é, além de seu sabor, seu tamanho: “Alcançam tamanhos muito grandes na classificação de exportação. Há camarões u-6, u-8 e u-10”, comenta Ricardo. Sim, amamos o camarão e, no entanto, devemos sempre prestar atenção aonde o consumimos. Ricardo nos conta que é uma prática mundial congelar o camarão em salmoura, conforme ele é pescado. Do mar vai para o porto, do porto para os grandes distribuidores de frutos do mar, como La Viga, na Cidade do México, e de lá ainda faz uma viagem até os restaurantes. “Normalmente leva um mês para que alguns camarões cheguem do mar à mesa”. Daí a importância de manter a cadeia de frio em todos os momentos. Produtoras como Armadora Rodríguez, em Tampico, ou Don Camarón cuidam muito bem das cadeias de frio e o produto chega em muito bom estado, segundo nos confirma o cozinheiro.Cozinhas rendendo culto Os pratos com camarão se espalham pelas marisqueiras e quiosques da República. Estão os adobados, que são cozidos em um molho feito de chile guajillo, ancho e pasilla; estão os camarões ao mojo de alho ou ao alho, que sempre caem pesados no estômago, mas cujo preço estamos dispostos a pagar porque nos remetem à praia. Outro favorito são os camarões à diabla feitos com chile guajillo, chipotle e chile de árbol, e depois cozidos em manteiga. Geralmente são servidos sem descascar para que a gente possa dar algumas sugadinhas na casca enquanto amenizamos a ardência com uma colherada de arroz branco e uma guarnição de salada fresca.Se não vão guisados, vão dentro de um coquetel e servidos em uma taça ou uma chabela gigante. Geralmente estão mergulhados em uma mistura de vinagre e molhos com aquele vermelho característico de marisqueira. Acompanham-se de abacate, azeite de oliva e música animada para apaziguar o ambiente. Tudo menos que o cozinheiro esqueça de cercar a taça com bolachas salgadas. Sem elas, nada. De zonas produtoras, não há outra como Mazatlán. Daquela região destacam-se os aguachiles de camarão, picantes como a própria morte, mas viciantes como o amor. Há os camarões recheados: camarões tamanho XXL são abertos pela parte central, recheados com queijo e cobertos com bacon. Outra costa cujo saber nos obsessa é Veracruz; destacam-se os camarões verdes, que são cozidos em pasta de alho com sal e chile jalapeño, folha de abacate e erva santa, ou aqueles que têm a sorte de se banhar em um arroz à tumbada. Em Oaxaca, os camarões brilham na costa envolvidos em tamalitos, enquanto na cozinha istmeña, são secos e moídos para confeccionar molhos de profundidade e gosto levemente marinho, como, por exemplo, no mole de camarão. Há a salada de camarão seco, favorita da Vigília, ou a gueta bi’ngui, que é prima-irmã das gorditas e a levam seca, com achiote e sementes de abóbora. Em Chiapas também são consumidos secos e acompanhados com feijõezinhos brancos.Jalisco, no centro do país, se orgulha de seus camarões ao tequila, enquanto Nayarit os apresenta com nopales, em sua versão ranchera, em um tlaxtihuilli –um molho picante espessado com massa de milho– e, claro, dentro de um ceviche com cebola roxa, cenoura, tomate e salsinha. Em Guerrero vamos nos jogar de bombinha na Quebrada e experimentar algumas pescadillas que sabem melhor depois de ter corrido pela areia quente para alcançar a marchanta. Não falta a taça tulipa abrigando um coquetel com sua devida proporção de refrigerante de laranja ou, bem, os camarões Barra Vieja que são cozidos em um molho de chipotle e guajillo, e fazem suar mais do que o calor de Acapulco. Na Baja, podem ir cantando em coro junto a uma mariscada, cobertos por bacon e acompanhados por feijões como os que são elaborados em Puerto Nuevo, ou bem, salteados em manteiga e cozidos em um molho feito com a polpa do tamarindo. Em Tamaulipas, “O camarão da lagoa de água salgada, principalmente o de Tamiahua, é pescado, cozido e servido. Não passa por processos de congelamento. Na huasteca temos a sorte de ter acesso a esse tipo de camarão com um sabor incrível”, conclui Ricardo. É por isso que a população daquela entidade consome o camarão ao natural, com cabeça e cozido, mas também em coquetel e em guisados aos quais cada restaurante dá sua própria impressão. Imperdível o huatape de camarão originário da huasteca, mas também as tortitas, preparadas com cebola e chile verde, as empanadas de tortilla de farinha ou em conserva. A cultura se come e é por isso que, se você ficou com vontade de prestar homenagem aos camarões, deixo uma das receitas que Ricardo nos compartilhou e que é história culinária viva: o huatape. Amor eterno ao camarão!Huatape de camarão1 kg de camarões3 litros de água1 frango com pele8 folhas de alface orejona5 cebolas cambray, com tudo e rabo¾ de maço de epazote 3 chiles verdes (ou mais, de acordo com o quão picante você quiser)4 dentes de alho 2,5 l de caldinho de camarão (fumet com cascas e cabeças, com o mesmo fumet, faz-se um fumet de osso de frango)Massa de milho a gosto1 maço de coentroEm três litros de água, cozinhe os camarões. Uma vez cozidos, descasque-os e reserve os camarões de um lado, e as cabeças e cascas, do outro. No mesmo caldo, acrescente o frango com tudo e pele, como se fosse fazer um fumet. Vá retirando a sujeira e, uma vez cozido, retire o frango. A parte, em um liquidificador, moa o cebolete com o alho, a alface, o chile e o epazote. Coe e reserve. Em uma panela média com óleo, despeje a mistura junto com o fumet que você fez. Adicione a massa a gosto para engrossar e dissolva. Deixe cozinhar e tempere com sal e pimenta. Sirva com os camarões e folhas de coentro.