Descubra a joia por trás da cozinha tlaxcalteca
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Shadia Asencio - 2021-10-08T12:03:15Z
Tlaxcala está localizada em um lugar estratégico, bem no centro da megalópole mexicana. Sua geolocalização, próxima à capital e a outros estados, historicamente lhe rendeu bênçãos e uma série de reviravoltas em seu destino que se traduziram no enriquecimento da cultura e em um sem fim de delícias culinárias que não passam despercebidas.A origem da cozinha tlaxcalteca data de mais de setecentos anos, com o assentamento dos primeiros grupos que formaram esta grande civilização. “Por estar perto do eixo neovolcânico, Tlaxcala recebe muitas águas do derretimento das neves que depois vão para o subsolo e que tornam a terra rica e generosa”, comenta Irad Santacruz, professor de cozinha de sua entidade pela Culinary Art School. Daí que a gastronomia emerge entre insumos imbatíveis onde a tortilla é a rainha. Não por acaso, Tlaxcala significa lugar de tortillas. Para Francisco Molina, um dos cozinheiros mais emblemáticos do estado e cujo restaurante Evoka é uma parada imperdível na visita, os ingredientes primordiais da região são o milho e o maguey. Este último é o ingrediente que mais orgulho lhe gera: “Dele se utiliza tudo. Tento usar a filosofia do maguey em meu restaurante”. Do agave se extrai a água mel e o mel de agave com seus sabores herbáceos; ao fermentá-lo produz-se o pulque; suas pencas são utilizadas para cozimentos como a barbacoa; até com a praga do maguey, que é a larva, se elaboram pratos de boa complexidade. As milpas crescem pelas planícies e oferecem um punhado de ingredientes que terminarão em uma boa sopa. Adicionalmente existe o chamado metepantle, um conceito proveniente da agricultura pré-hispânica onde o ecossistema se cria em torno do maguey. “Cada árvore confere certas características e certos nutrientes ao solo, dando uma espécie de equilíbrio à terra. Para mim, este é basicamente a origem da cozinha tlaxcalteca”, comenta o chef Francisco. Não é segredo que antes da chegada dos espanhóis, os tlaxcaltecas estavam subordinados aos astecas. Como forma de punição por querer se desvincular do pagamento de impostos aos habitantes da região, foi-lhes proibida a compra de sal e outros insumos. Daí que os guisados regionais utilizem poucos ingredientes, mas que, aliados à criatividade e às técnicas, possibilitaram uma boa variedade.mole de ladrillo, o mole prieto e o atole agrio. “O mole prieto é um mole mais cerimonial, um mole mais líquido do que espesso e que é feito com porco. O mole de ladrillo é um mole também cerimonial de origem otomí”. Por sua vez, o atole agrio é elaborado a partir de espécies de milho vermelho e é servido com um feijão ou ayocote no fundo.O mole que pode ser encontrado quase em todo o estado é o mole de fiesta, mas, claro, com certos temperos que vão mudando em cada comunidade. Junto ao estado do México e Hidalgo, compartilha a tradição da melhor barbacoa do país e a técnica do mixiote. Entre as sopas estão as tlatlapas, uma sopa espessa que é preparada com feijão amarelo, o chileatole verde e a sopa de milpa comum na temporada. O insumo predileto da época das chuvas é o cogumelo comestível que é proteína vegetal em guisados e moles típicos. Mas nada disso terminaria de se amalgamar sem o rei das bebidas milenares: o pulque. O pulque é cultura, é ingrediente em pratos copiosos, é a predileção de Quetzalcóatl e pelo que teve que se redimir no exílio. No lado doce, Tlaxcala é um paraíso a ser descoberto. “Estão os muéganos tradicionais de Humantla, de Santa Ana, de Santa Cruz e da capital”; mas também estão os tlaxcales –bolinhos elaborados com massa de milho e açúcar–, os doces de pepita, as conservas de goiaba, de batata-doce, ou de qualquer fruta da temporada. Não se deve perder também os burritos –e esqueça o grande envoltório feito com tortilla de farinha–. Em Tlaxcala são feitos de milho prestes a estourar e são cobertos com aguamiel, piloncillo ou açúcar. Outras sobremesas tradicionais são o chacualole, uma sobremesa elaborada a partir de abóbora ou outras frutas e aromatizada com canela, casca de laranja e cravo, ou os buñelos de rodilha e de vento. Claro, nas festas patronais, é preciso deixar-se conduzir até o aroma de uns pães de feira. Se de gastronomia de rua há que se falar, o chef Francisco recomenda as tortas da 2 de abril. “São umas tortas que vêm com milanesa de porco, chalupa, quesadilla de huitlacoche ou de queijo, tudo frito. Vem com sua salada, seu tomate e seu pão”. Se preferir a tortilla em vez do bolinho, deve-se parar em uma esquina para tacos de canasta, supostamente originários da entidade. Irad recomenda assistir às sextas-feiras o mercado alternativo de produtores agroecológicos que se instala no parque de San Nicolás, o tianguis de sábado de Tlaxcala e o de quarta da Loma: “Lá você não só encontra o produto e as pessoas, mas também certamente vai comer deliciosamente em algum de seus múltiplos estandes”. E é que sim, dar um passeio por este pequeno estado é provar tradições bem preservadas em um contexto de fazendas, de lendas vivas e cruzamentos de caminhos.