O mágico mundo da cozinha árabe
Por
Shadia Asencio - 2021-01-15T13:46:16Z
Até minha casa chegava o aroma de alguns pães assando no forno. Inexoravelmente, meu olfato se acendia como radar náutico e identificava a origem do estímulo tão prazeroso. O fio de fragrância, além de pão, sussurrava especiarias –zaatar, para ser preciso– suficientemente embebidas em azeite de oliva para que a receita completa se desenhasse na minha cabeça. Em menos de cinco minutos já estava escalando a pequena grade verde que dividia o terraço dos meus pais do dos vizinhos. Era preciso chegar a tempo na distribuição dos talami zaatar enquanto estavam fumegantes. Desconheço as causas, mas minha rua era o lar de uma pequena comunidade árabe que me aproximou desde cedo da glória da gastronomia do Oriente Médio. Meus padrinhos –além de vizinhos– eram libaneses e, como passei metade da minha infância imaginando que as escadas da casa deles eram o Monte Everest e sua sala, o jardim das minhas aventuras paleontológicas, a comida árabe me remete à infância. Entender essa cultura é mais fácil se partirmos de dois de seus pilares: a hospitalidade e a comunidade. Já sabem, não há hospitalidade sem uma letania gastronômica e, no entanto, os libaneses nos dizem hold my beer quando é preciso se desdobrar pelos convidados. “Visitas” para a comunidade é sinônimo de “esvazie sua despensa, compre tudo no supermercado e cozinhe o quanto puder”. Quem é capaz de recusar tal demonstração de amor? Eu também não.Quando criança, pensei que o hábito de superalimentar as visitas era uma propriedade dos meus padrinhos –a quem chamava de tios– e de seus filhos –a quem chamo de irmãos–. Quando pisei em alguns países do Oriente Médio e quando a saudade me levou a restaurantes como Al Andalús ou ao Adonis, percebi que essa prática é regra e que o mezze –variedade de aperitivos da cozinha árabe– define a hora de comer. O mezze é o resumo máximo da cultura: ao centro se costuma colocar até trinta pratos pequenos para a comunidade. Compartilhar o que está disposto na mesa é lei. Aqui há um pratinho com jocoque, o hummus está servido ali. O kofte (carne moída e temperada) é passado de mão em mão em uma bandeja decorada com alfaces e rabanete, caso alguém queira fazer um taquito. No extremo da mesa, alguém tenta pescar uma bolinha de kibbeh (carne moída temperada e frita) com o garfo, e se não conseguir, não importa: ao centro gravita um refratário com kibbeh de bandeja. Todos nos servimos tabbouleh (abaixo a receita) ou fattoush (salada verde com pedaços de pão) e algumas folhas de uva para dar cor ao prato e para que a casualidade o misture com os restos do baba ganush (purê de berinjela). Uma pessoa poderia se perder na recepção –de fato, requer muita vontade não fazê-lo–, mas, é preciso desviar dessa armadilha para iniciantes. O prato principal, que quase sempre tem a ver com cordeiro ou alguma outra proteína cozida em especiarias, aguarda. Haverá arroz ou lentilhas. E sim ou sim, é preciso chegar à sobremesa. Vamos parar um pouco neste ponto. São poucas as culturas –como a francesa ou a americana– férteis na elaboração de boas sobremesas. A árabe, influenciada pela cozinha francesa e pela do mediterrâneo, faz maravilhas com o doce. Geralmente suas sobremesas vêm em porções pequenas para que o ato de escolher não seja um problema. A rainha é o mel, a flor de laranjeira, a essência de jasmim e os pistaches, como em uma noite que cheira a Sherezade. A massa filo é o anjo que custodia tudo. Os kanafeh (bolo de semolina com queijo), os dedos de noiva, os baklava (bolo com massa de pistache) completam o sonho. Como era de se esperar, meu irmão de alma herdou o tempero da minha madrinha. Quando o visito, a tradição de seus ancestrais continua: ele esvazia toda sua geladeira para nos atender. Seu tabbouleh, em especial, tem o poder de agradar até o mais cético. Melhor ainda quando combinado com um hummus recém-feito e lentilhas como em um relato bíblico. Não os deixo com vontade. Consegui pegar a receita e aqui a compartilho. Embora não lhes traga lembranças, espero que a desfrutem com essa intensidade.Tabbouleh de Amir Balut (Kitchen Noob):4 tomates bola, grandes1 cebola branca, grande3 maços de salsa½ maço de hortelã¾ de xícara de trigo quebrado fino (bulgur)8 limões suculentos (eu coloco dois limões a menos, mas Amir gosta mais cítrico)½ xícara de azeite de oliva extra virgem1 ½ colheres de sopa de sal1 colher de sopa de pimentaEm uma panela média, coloque água suficiente e deixe o trigo bulgur de molho durante 20 minutos até amolecer. Depois, pique finamente todos os ingredientes. Aqui não há atalhos, tudo deve ficar bem pequeno. Misture em uma tigela grande o suficiente. Adicione a pimenta e o sal. Acrescente o suco de limão e o azeite de oliva. Mexa tudo e retifique o tempero, se necessário. Cubra com plástico e deixe refrigerar por meia hora. Aproveite!