O paraíso é uma sobremesa árabe
Por
Shadia Asencio - 2022-03-30T10:51:43Z
A fantasia é assim: um corredor estreito, barulhento, com cheiros de mel e flor de laranjeira. Há pessoas por toda parte, tecidos brilhantes com padrões intrincados, bandejas repletas de docinhos, montes de massa filo com chapéus de pistache, bolinhas de nozes, grandes torrões e uma extensa variedade de doces que gritam a vida é bela. Isso não são As mil e uma noites, são os mil e um doces árabes.Eu tive a sorte de que meu trabalho me levasse ao Oriente Médio em duas ocasiões. A primeira vez foi há mais de dez anos, na Turquia; a segunda, pouco antes da pandemia, em Israel. Em ambas as ocasiões, fiz dos mercados minha parada favorita para me imergir na wikipedia de ingredientes e gastronomia locais que nem uma gulosa como eu poderia imaginar. Ainda me lembro dessas paradas como uma festa visual e olfativa com toques de especiarias, bodegões de comida de todas as cores, esboços de uma vida cotidiana que me parecia extraída de um sonho. Talvez o mais parecido com um sonho sejam os doces. Os da Turquia, uma cultura repleta de inserções culturais do Oriente Médio, Europa e a tradição otomana, me surpreenderam pelo tamanho e formato. Cada pequena loja era um convite sutil a entrar e se deixar seduzir pelos doces tradicionais feitos na hora. Ainda me lembro dos lokum, pequenos cubos gelatinosos com sabor de frutas ou mesmo de água de rosas, que acabaram se tornando meu sabor favorito. Este doce é preparado a partir de amido e grandes quantidades de açúcar ou melaço.Não esqueço das halvas, uma sobremesa amplamente difundida no Oriente Médio cuja função vai além de alimentar as pessoas. As halvas estão intimamente relacionadas a celebrações, noites sagradas, o nascimento e a morte das pessoas. Na Turquia, são preparadas com múltiplas receitas que incluem até farinha ou semolina. As de Israel são consideradas as mais saudáveis. Elas são feitas a partir de tahina – uma pasta de gergelim utilizada em vários pratos da região, como o hummus.Para o paladar ocidental, a ideia de incluir frango em uma sobremesa pode parecer uma loucura, no entanto, na Turquia, o tavuk göğsü leva pedaços desfiados do pássaro que, juntamente com outros ingredientes, resulta em uma espécie de pudim de arroz cremoso com sabor de canela e baunilha. A partir dele, prepara-se outra sobremesa muito popular chamada kazandibi, que pode ser encontrada em confeitarias e cafeterias de todo o país. Grande parte da minha viagem a Israel passei em Jerusalém, especificamente no mercado Mahane Yehuda, que é um dos mais antigos do mundo. O também chamado shuk é impressionante: a agitação, a cultura e a proposta gastronômica que se desenvolveram em seus limites e arredores exigem mais de uma visita. Além de portas e paredes repletas de arte urbana com temas religiosos, existem corredores inteiros dedicados aos doces árabes.Os baklavas dispostos em bandejas, com todas as suas acepções, são o coringa dentro do shuk. Esses docinhos têm sua origem mais primitiva na Mesopotâmia. Atualmente, são consumidos em toda a região e provavelmente são os doces árabes mais conhecidos. Existem na forma de losango, enrolados como os dedos de noiva, ou em ninhos, em bolinhas. São muitos. A preparação genérica consiste em colocar várias camadas de massa de filo untadas com manteiga e recheá-las com nozes ou pistaches picados finamente. O doce vem da imersão em uma calda à qual se adiciona um toque de limão.Meu grande favorito foi o kanafeh preparado na hora, quentinho e coroado com uma calda ao gosto do cliente. Esta sobremesa consiste em uns fios de vermicelli – eles chamam de kadaif – fritos em muita manteiga e estendidos sobre uma camada de queijo suave, semelhante à ricota, cozido em fogo lento. Uma experiência complexa e perfeita devido aos sabores, texturas e temperaturas.No meu diário de viagem não pode faltar o ma’amul, que é uma sobremesa principalmente libanesa, mas de consumo difundido por toda a região. À primeira vista, parece um biscoito, mas essas bolinhas de aparência particular são elaboradas a partir de uma massa de manteiga e semolina, água de flor de laranjeira e um recheio de tâmaras e nozes picadas, ou de qualquer outra fruta seca triturada, figos e uvas passas.Ainda me lembro, nos arredores do mercado, de uma padaria tradicional com mais de cinquenta anos de idade. Nela estavam os sufganiyot, um pão frito semelhante a donuts, que é recheado com geleia e polvilhado com açúcar de confeiteiro. Outro pão da região é o rugelach, que é o primo irmão dos croissants franceses, mas com mais – sim, mais – manteiga. Podem ser recheados de chocolate, canela, nozes ou sementes de papoula. Cada letra do alfabeto poderia ter outra sobremesa árabe para soletrar. Ficam na minha memória a basbusa, quadrados de bolo embebidos em calda que vão com coco ralado e uma pequena amêndoa que os adorna, ou as graybe, uns biscoitos tipo marzipã, tradicionais de Beirute, que são decorados com o fruto seco em questão. Por sorte, a obsessão e o desejo não precisam esperar por uma viagem a terras distantes. Este ano, a Cidade do México surpreendeu com suas propostas que abraçam aquela cultura de forma fidedigna. Por exemplo, na nova filial de Al Andalús dentro da Torre Aleph, o chef Mohamed Mazeh apresenta uma grande variedade de doces árabes – entre muitos outros pães e pratos da gastronomia libanesa – com uma confecção que me lembra meus dias no Oriente Médio. Eles têm até um sorvete de almíscar que não pode ser perdido.Outro favorito é Delícias de Líbano de Alberto Farah (sócio do nosso chef de casa, Mau Eggleton) e Elizabeth Nahum. Suas bandejas de doces árabes são ideais para quando se tem vontade de contar minúcias interessantes com amigas próximas, café e chá. A última de minhas recomendações vai para Halva Boutique, a única loja mexicana dedicada a elaborar halvas. A partir da loja online, é possível comprar o bolo inteiro ou um pedaço. Recomendo amplamente o de café + cardamomo para quem gosta de sabores fortes e especiados, o de pistache, para os mais conservadores, ou o de xoco-chili, se você é do time dos ousados.Neste momento da humanidade, não nos faz nada mal abraçar outras culturas, outras formas de pensar e, claro, nos encher a boca com um bom gole de café árabe e um toque de doçura.