As tábuas para picar se desgastaram como meias na máquina de lavar. Nenhuma pesquisa sobre tendências para 2020 poderia prever isso. As previsões sobre o que estaríamos fazendo e consumindo neste ano se quebraram, uma a uma. E claro, sem que ninguém pudesse antecipar, nossa relação com a cozinha mudou para sempre. Mas, o que aprendemos sobre cozinha em tempos de Covid?Eu conversei com pessoas sobre o assunto. Fiquei intrigada para saber se estavam preparadas – fisicamente, mentalmente ou até tecnicamente – para cozinhar, para serem chefs em tempo integral. E é que a maioria, absorta pelas jornadas de trabalho, colocava a mão na massa apenas no café da manhã ou no jantar: quesadillas e sanduíches com mínimas variações, peitos de frango grelhados para a alma, saladas de um, dois por três. Ser cozinheiros de uma família faminta, com necessidades das 8h às 21h, e de segunda a domingo, mudou nosso esquema. Não para todos positivamente. Existem aqueles a quem o assunto continua sem interessar, ou que, de plano, antecipam com desconforto o momento de abrir a geladeira e se questionar sobre o que vão comer, e quem poderia atirar a primeira pedra? Com o tempo, cozinhar para si mesmo ou para uma tropa pode se tornar opressor e cansativo.Há também aqueles entusiastas que, apesar de seus esforços, a cozinha não se coloca ao seu lado. Eles queimaram sua comida, destruíram metade da sua louça ou descobriram com fome que a ordem dos fatores pode, sim, alterar o produto – meta aqui o nome de seu influenciador favorito.Finalmente, está o grupo de pessoas que encontrou uma relação firme e com planos futuros com a cozinha. Para aqueles, para alguns de nós, algo que aprendemos sobre cozinha em tempos de Covid diz respeito à consciência: consciência sobre a quantidade de comida que precisamos, a consciência do desperdício que produzimos, a consciência do que comemos. Percebemos que nem todas as saladas do mundo nos manterão saudáveis, que nem todos os bolos nos farão felizes. Aprendemos a racionalizar os ingredientes que temos na geladeira e a substituir elementos conforme a imaginação nos sugere (e a existência deles na despensa). Alguns desses experimentos até se tornaram descobertas bem-sucedidas.Nos finais de semana, ou quando podemos, aprendemos a tirar um tempo para cozinhar: a seguir o caminho sem atalhos, como faziam as avós ao preparar um delicioso mole de panela ou um molho. Aprendemos que na cozinha é necessário estar presente para conseguir a cocção adequada ou para que finalmente consigamos aquela técnica que temos praticado por tentativa e erro, tentativa e erro.Para pesar da maioria, aprendemos que os pratos se multiplicam como gremlins e que não existe uma fada mágica que nos faça o favor de lavá-los enquanto não olhamos.Aprendemos a domar o desejo ou a nos entregarmos a ele sempre que precisamos sair para conseguir ingredientes vestidos em nosso disfarce de Neil Armstrong. Aprendemos que às vezes, especialmente quando esquecemos o componente “obrigação”, a cozinha é um ritual que pode ser desfrutado: que entretém, que distrai a alma, que é terapia. Isso sim, que não precisamos ser perfeitos, que o erro é um mestre e que suas notas mentais nos farão fazer melhor – mais fofinho, mais crocante, mais firme – na próxima vez.Já falta pouco para entrar na nova normalidade e o que aprendemos nesta temporada sobre cozinha permanecerá conosco. Pode ser que os tempos voltem a ser curtos, que ansiemos por nos sentar novamente em nosso restaurante favorito, que possamos finalmente visitar aquela tia cujas gelatinas são o evento mais delicioso que nos acontece no ano. Mas tenho certeza de que nosso reencontro com a cozinha não passará despercebido porque, se algo descobrimos nesta época, é que em todos habita o potencial de nos tornarmos aquela tia, aquele especialista em sabor inigualável.Para te inspirar na última reta, estas são as receitas que as pessoas que entrevistamos têm praticado:
Croquetas de carne Frango ao curry Bolo de limão Panquecas de aveia Tortilha de batata Esquites caseiros Lasanha de legumes Creme de tomate Biscoitos de chocolateO que você aprendeu? Que receitas você praticou em tempos de Covid?