Leia em PortuguêsEm cada menininho Deus de plástico se esconde um futuro inevitável: o de fazer uma leva de tamales de chile, de doce ou de banha... tamales oaxaqueños, tamales quentinhos. Isso sim. Não se admite pagar a promessa adquirida na rosca de Reis com os de cabra, porque fazer tamales de cabra para alguém, segundo afirma o historiador e escritor José N. Iturriaga, é querer sair com a sua: “No México temos uma infinidade de variedades de tamales. Há de porco, de frango, de peru, de coelho, de iguana, de camarões como em Sinaloa... de tudo menos de cabra. Esses não existem”.Os tamales são a quintessência da Candelária, uma festa que alude aos quarenta dias do nascimento de Jesus, e que foi o momento em que Maria e José apresentaram seu filho no templo. Foi até a Idade Média, a partir do século V, que “se fazia a iluminação de velas ou candelas nas capelas como sinal de que Jesus é luz. Daí que exista uma virgem com a invocação da candelária”. Para um dos tamaleros mais famosos da cidade, Don Víctor Gumersindo Zárate Cuevas, esta festa merece uma mudança de localização. Em um dia normal, a panela de seus tamales expele os vapores inconfundíveis do molho de porco, do verde com frango e do de queijo com tiras na entrada do Mercado de Granaditas. Mas para a Candelária, seu filho Víctor Zárate –chef do restaurante Madre Café–, o levará até um ponto da Roma, na Cidade do México, onde o tamaleiro com mais de quarenta anos de ofício poderá vender seus tamales a um público que os considera de culto.Os de Don Víctor são gigantes; seus guisados, suculentos. Mas sua mística transcende nosso tamaleiro favorito. E é que o tamalli, vocábulo náhuatl que significa embrulho, é mais do que a soma de suas partes: mais do que a massa de milho moído, que seu recheio doce ou salgado ou que a folha que o abriga. O tamal é lenda, é técnica de origem pré-hispânica, mas também de Conquista e de produtos que, como o porco e o frango, cruzaram o Atlântico. O tamal é sinal de vida –é o festim em casamentos e batizados– e de morte –é pilar nos altares do 2 de novembro–. É o manjar dos ricos, o prazer da classe média e o sustento dos pobres. Democrático, variado e único, o tamal é um ecossistema que muda entre a distância de um povo a outro. Segundo afirma José N. Iturriaga, “A nível nacional poderia haver até mil deles”.Não há muitos alimentos com tantas tradições, crendices e rituais. “Alguns deles têm a ver com a Virgem e sua pureza”, como quando as senhoras da cidade param de produzir tamales nos dias de sua menstruação porque “acredita-se que não vão sair bons ou vão azedar”, diz Iturriaga. Outro é que com a panela pronta e transbordando em pequenos embrulhos de milho é vital fazer o sinal da cruz e benzer antes de colocá-los diante do fogo. Depende do tamaleiro. Don Víctor, por exemplo, recita as frases que seu pai e sua mãe lhe ensinaram a pronunciar diante da panela. Adicionalmente, pede à Virgem que seus tamales tenham a demanda suficiente e que, ao comê-los, as pessoas saiam felizes. Por último, traça um “V” sobre eles com ramos de louro, epazote e laranja em sinal de vitória e da inicial de seu nome. Só depois de ter cumprido cada passe mágico, esses tamales estarão prontos para triunfar.Há quem repita a sinal da Santa Cruz sobre a panela ou “faça uma cruz com a massa na parte externa da panela”, segundo me conta Iturriaga. Por sua vez, Brenda Villagómez, chef de Kiwilimón, me conta que em sua cidade de Oaxaca, essa cruz é desenhada no fundo da panela com chiles guajillo.Os tamales são ao mesmo tempo um pedaço do céu e um produto da terra, portanto a física e a química não os ignoram. Don Víctor diz que um bom tamal se distingue pela higiene de cada elemento que o integra e pela seleção de cada ingrediente: “É preciso dar amor para ir descobrindo seus segredos”, confessa.O que eu confesso é que não sei se vou comprar do Don Víctor ou cozinhar algumas das receitas mais deliciosas de tamales que temos. Talvez eu faça as duas coisas, tanto faz. Para ter certeza de que valerá a pena cozinhá-los em casa, farei todos os conselhos que me deram minha mãe, minha avó e as chefs de Kiwilimón. “Para ter uns tamales muito bons, use farinha de milho recém-moída. Se você quiser que durem mais tempo, use água em vez de caldo de galinha ou carne. Se o problema é que ficam secos, certifique-se de que a massa fique úmida, com uma consistência cremosa e pastosa. Use banha de porco de boa qualidade, pois isso dará muito sabor ao seu tamal.” Yamilette González, coordenadora de chefs de Kiwilimón. “Para deixar os tamales fofinhos, use a água de cozimento da casca de tomate e o tequesquite. Assim meu avô me ensinou.” Mayte Rueda, chef de Kiwilimón. “A disposição dos tamales é importante. A melhor forma de fazê-lo, se você está começando, é acomodá-los verticalmente com a pontinha para cima, para garantir que a massa não escape. Não aperte demais a folha de tamal para que, com o calor e a cocção, fiquem mais fofinhos.” Brenda Villagómez, chef de Kiwilimón. “O mais fácil é fazer uma bolinha de massa de tamal e achatá-la em uma prensa.” Alexandra Romero, chef de Kiwilimón.“Se você fizer uma
rosca de tamal, mergulhe-a completamente no molho para que fique úmida e picante.” Marielle Henanine, chef de Kiwilimón.A receita da minha família é simples: se você tem batedeira, bata por cerca de quinze minutos. Se fizer à mão, bata por uns vinte e cinco minutos e, de preferência –como dizia minha avó– quem começa deve ser quem termina, para que “a massa não corte”. Minha mãe prefere o sabor da banha vegetal, que dá textura e só para de bater até que a massa cresça.Qual é o seu segredo?
Tamal norteñoTamal recheado de chile com queijoTamales de requeijão e tirasChile recheado de tamal