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Por que a gastronomia michoacana é uma das melhores?

Por Shadia Asencio - 2021-07-02T12:03:27Z
A imponente floresta de coníferas flerta para roubar minha atenção, no entanto, meus sentidos se concentram em algo mais: ali, subindo os degraus das ruas de paralelepípedos de Tlalpujahua, estão as barracas de comida do mercado. Há panelas exalando a fumaça de seus tamales e corundas, conservas e ates cercados por abelhas, pão empilhado em sacos. Ai, com o pão de pulque. Ai, com o pão de pucha. No Michoacán, a natureza é quem chama, mas é a comida que obsessivamente nos faz voltar. Quem nunca comeu neste estado perdeu uma das três melhores gastronomias regionais do país. Mais claro, impossível. Michoacán é um conglomerado de michoacanos. A zona lacustre, o mar, a milpa, a floresta abrigam uma tradição, uma coleção de sabores emoldurados por técnicas ancestrais e ingredientes endêmicos. A essa soma cultural, a essas coordenadas geográficas, devemos mais do que êxtases culinários. Graças a elas, aparecemos na única lista que importa: a do Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO. “A gastronomia michoacana é única pela combinação de uma paisagem fértil com muitos tipos de terreno e lagos ricos em pesca, assim como uma cultura pré-hispânica que transmitiu suas tradições ao longo das gerações”, afirma o arquiteto Fernando Vela, presidente do Festival Gastronômico Morelia em Boca. De seus cantos heterogêneos, um collage de imagens e climas, saem produtos excepcionais como os charales, o peixe branco, a truta. Na meseta purépecha, surgem produtos como o amado abacate; em Zamora del Valle, os morangos; no Vale de Apatzingán, os limões, as amoras; na milpa, aqueles milhos vermelhos, negros, azuis, amarelos com a mineralidade nas entranhas; de Cotija, seu queijo. Embora queijos não sejam os únicos, são os mais prestigiados. Outros menos conhecidos são os queijos da Ruana, de Tierra Caliente, frescos ou arejados.As mãos por trás da cozinha complementam essa sorte de sortilégio. Lucero Soto, uma das chefs mais representativas da região, acredita que o verdadeiro tesouro está nas cozinheiras tradicionais. Nomes como Esperanza Galván ecoam em embaixadas do mundo fazendo o que melhor sabem fazer: ser guardiãs de receitas e técnicas, exportadoras de cultura; ela, particularmente, da purépecha. Também está Blanca Villagómez, em Tzintzuntzan, que segundo o arquiteto Fernando prepara uma ovas de peixe em molho de guajillo como nenhuma outra. Lucero Soto, por sua vez, não é cozinheira tradicional, mas leva o folclore michoacano das ruas para as mesas emblemáticas do país a partir do Restaurante Lu Cocina Michoacana. Não se pode deixar de mencionar Mariana Valencia de Cocina M, em Uruapan.Em Morelia, é preciso empreender uma peregrinação por carnitas Don Raúl, ou se dirigir até Quiroga para prová-las confitadas em panela de cobre. Diante de uma senhora com um balde de charales, é preciso parar para um taquito de tortilha de milho, um punhado de charales fritos e algumas gotinhas de limão – pouquinho, porque não queremos críticas –. Pela manhã, é preciso estar pela catedral ou no mercado e sentar-se em um desses estabelecimentos com nomes de mulheres para ser servido com pratos de plástico vermelho e uns uchepos com os sabores do milho, umas corundas com a trindade mexicana da garnacha – creme, molho e queijo – e um atolito doce.Eu não perco a sopa tarasca para o meio-dia ou as atapakuas purépechas, semelhantes ao mole; são preparadas sementes como o amendoim ou a semente de abóbora e acompanham verduras e carne. No Lu, gosto de provar as enchiladas morelianas de pato que eliminam qualquer tipo de insatisfação. O arquiteto Fernando prefere a xanducata (uma espécie de pipián elaborado também com semente de abóbora), as jahuácatas (uma corunda preparada em camadas e que leva feijão) e, claro, o aporreadillo de Tierra Caliente. Como grande conhecedor da gastronomia daquele estado, fala do churipo purépecha (um prato de colher), do mole de queijo e do coelho estirado, tradicional de Corpus Christi.Na hora da sobremesa, a gastronomia michoacana oferece variedade. Os chongos zamoranos, a fruta em conserva e os ates podem ser encontrados nas lojas que protegem mulheres vestidas com trajes virreinais. Lucero Soto diz que quando a vontade chama no meio das ruas, é preciso recorrer ao gazpacho moreliano.Eu não deixo o estado sem comer umas morelianas de cajeta, noz e papel estrela ou sem procurar por céu, mar e terra a melhor sorveteria, aquela que venda um bom sorvete de pasta de gosto de baunilha, tradicional de Pátzcuaro. Quando chega a hora, peço um duplo. E é que Michoacán, nada de simples. Isso nunca.