De Kiwilimón para você

Por que amamos a pimenta?

Por Shadia Asencio - 2020-09-25T10:58:41Z
A deusa da pimenta era Tlatlauhqui cihuatl ichilzintli ou ‘Senhora vermelha do respeitável chile’. Ninguém tinha dúvida: a pimenta merecia respeito. A pimenta, originária da zona andina ou da floresta amazônica, tem sido a alma de muitas cozinhas do mundo e, sem dúvida, o fogo artificial da cozinha mexicana. O que seríamos sem este fruto que machuca tanto quanto diverte a língua? Os espanhóis a levaram para a Europa como souvenir. Lá, declararam-se sensíveis ao seu ardor. Em contrapartida, os paladares árabes, asiáticos e africanos a receberam como uma revelação. Muito em breve, a incorporaram em suas cozinhas e começaram a produzi-la. Agora, o estrangeiro que se declarar intolerante a ela sofrerá sua influência em mais de um terço do mundo. Na Ásia, ele perderia os cremosos currys da cozinha indiana, o pad thai da cozinha tailandesa, as churrasqueiras da cozinha coreana com kimchi fermentado e pimentas ou as sopas agridoce da cozinha sichuanesa. Sem falar no taco mexicano. O não iniciado levará à boca uma simples mistura de carne e milho sem a sua bênção de molho verde. Que momento tão anticlimático terá ao comer um sanduíche de milanesa sem uma mordida intermitente em uma pimenta em conserva. Não há prato local onde não se possa fazer um espaço para ela. Já Cristóvão Colombo falava dela como “uma planta tão picante quanto a pimenta que os nativos consomem em todas as refeições”. A pimenta só é deixada de lado quando o estômago pede ou quando se embarca em uma rota para terras mais ocidentalizadas. Em cada ocasião, sente-se falta dela. Tudo é culpa da capsaicina, uma substância que responde à dor e que libera opióides e endorfinas que a neutralizam. Por causa dela, a pimenta é motor de prazer e vício.O uso da pimenta é antigo. Acredita-se que as culturas mesoamericanas começaram a cultivá-la assim que se tornaram sedentárias. A altitude e o clima favoreceram sua disseminação. Nas culturas nacionais, foi alimento sagrado e lenda. Ainda hoje é um sinal que afasta o “mal de olho” assim que se coloca um colar vigilante na porta. É sinônimo de festa quando harmoniza os alimentos; é suspiro, lágrima e silêncio para os que são pegos de surpresa.No Peru, a outra grande gastronomia latino-americana, é uma constante. Está presente no tempero do ceviche, no rocoto recheado arequipeño. No sudeste asiático, aporta equilíbrio aos ensopados junto com o limão kaffir e o coco. Nos restaurantes mexicanos – os finos, os de rua – é cortesia e o centro da mesa mais bonito ao lado de um par de bolinhos ou totopos.Agita porque, para mitigar seu calor, dá vontade de inspirar e com isso sobreoxigenar o corpo. Aquece a garganta tanto quanto a mente, por isso é uma mistura de respeito e zombaria – um deambular entre o respeito e a brincadeira. Aquele ou aquela que aguenta muito é ‘macho’. Aquele ou aquela que aguenta pouco é ‘galinha’. A pimenta se torna doce quando se adiciona açúcar; em mole, quando se adiciona magia. Há alguns séculos, era um corretivo para crianças mal-educadas e hoje é um corretivo quando se quer esconder uma má técnica culinária. A pimenta é o sucesso de muitos negócios, um objeto de desejo na cultura pop mexicana e erotismo na poesia urbana. Está presente em rimas, lendas e canções, como aquela que assegura que é picante, mas saborosa. Obrigado, pimenta, por existir!Para terminar de prestar homenagem como se deve, deixamos este compilado de molhos que, não importa de que país você seja, darão alegria à sua comida.