Por que nos obceca tanto o chocolate?

Aqui uma anedota chocolatosa. Aquela noite –a primeira vez que notei que o chocolate despertava todo tipo de obsessões– estava em Caracas. Eu estava supervisionando a gravação de um comercial de trinta segundos que nos levou dezoito horas para completar. Assim que chegamos ao hotel, minha colega de quarto e eu jogamos as mochilas, atiramos os tênis o mais longe que pudemos e nos lançamos sobre o frigobar. Em nossos rostos refletiram aqueles raios dourados e brilhantes que só os frigobares e os baús de pirata emitem quando são abertos. O pequeno refrigerador guardava todo tipo de produtos: cada um mais sedutor que o outro. Havia champanhe, castanhas, cervejas, doces tradicionais, refrigerantes, petiscos. “O paraíso”, disse minha colega de quarto quando sua mão se aventurou a pegar algo neste tipo de Éden. Eu esperava ver sair uma garrafa de champanhe; em vez disso, saíram uns quadradinhos pretos de 1x1. “¡Chocolates… da Venezuela!”. Ela disse isso com tanta certeza que eu arranquei um quadradinho. A primeira mordida me deu um “crack” escandaloso. Em seguida, percebi sua cremosidade: uma textura amanteigada que contrastava com seus sabores terrosos e de frutas vermelhas. Minha amiga já não falava. Ela estava tendo seu momento com o chocolate e eu já não existia mais. O que tem o chocolate que pode provocar isso?Pode ser que a história da obsessão pelo chocolate comece na Mesoamérica. O cacau era tão valorizado que acabou se tornando moeda. Ao ser trocado em forma de “amêndoas”, o risco de ruína por desejo era improvável. Além de provocar uma má digestão –é preciso fermentá-lo e tostá-lo antes de consumi-lo–, poderia despertar a fúria dos deuses: o chocolate era um ingrediente zeloso destinado a eles e aos ricos.O cacau utilizado na preparação de bebidas era o de menor tamanho. Moctezuma, o grande imperador asteca, utilizava sua rede socioeconômica para trazê-lo até a Grande Tenochtitlán vindo da região do soconusco e Tabasco. Qual foi o “coquetel de boas-vindas” que ofereceu a Hernán Cortés? Chocolate em uma taça de ouro. A bebida era ritual em casamentos e cerimônias. Os nobres a misturavam com milho e especiarias como baunilha para consumi-la. Havia quem colocasse urucum. Havia quem misturasse com pimenta. Isso sim, deveria ser servido com muita espuma para denotar sua qualidade. Durante a Conquista a situação mudou. Alguém observou que na química do chocolate havia algo que despertava os sentidos, que fazia o corpo reagir, que obsessava. Talvez por isso Francisco Hernández, médico de Felipe II, o recomendasse para diminuir a febre e aliviar cólicas estomacais. Os franceses o reduziram a pastilhas com qualidades digestivas e estimulantes. Na Segunda Guerra Mundial, chegou a fazer parte das rações que os exércitos enviavam aos soldados. Era algo como enviar endorfinas a granel. E sim, pode ser que a causa por trás da obsessão que o chocolate provoca sejam seus sabores e cheiros (que têm a ver com o lugar onde cresce), com seu jogo físico-químico na forma de endorfinas ou com tudo isso. Mas, acima de tudo, com as endorfinas. Esses peptídeos funcionam como neurotransmissores químicos que sempre trazem boas notícias ao nosso sistema nervoso. Entre outras coisas, aliviam a dor e provocam sensações de felicidade e tranquilidade. A parte estimulante vem de seu conteúdo de cafeína. Os ácidos graxos diminuem o colesterol ruim e aumentam o bom no organismo e, em doses certas, previnem a hipertensão arterial. Além disso, possui mais antioxidantes –flavonoides– que os afamados frutos secos, que o vinho, que o chá verde. Em resumo, chocolate na boca, coração contente.E já que estamos na temporada, que melhor do que presentear corações felizes neste Dia dos Pais! Dê forma com essas receitas de chocolate que são as favoritas da equipe do Kiwilimón, como um clássico bolo de chocolate sem forno. Isso sim, faça como Moctezuma: utilize chocolate amargo e, na medida do possível, o de melhor qualidade para que a magia desse ingrediente que nos obsessiva tanto ganhe vida.Delicioso bolo de chocolate sem farinhaBolo de chocolate recheado com creme pâtisserieTrufas de nutellaBolo de panqueca com cobertura de milky way