Por que o chile em nogada é tão importante em nossa cultura?
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Shadia Asencio - 2020-07-24T09:19:35Z
“Essas travessas tricolores duraram muito pouco tempo: num piscar de olhos, os chiles desapareceram das bandejas... Que distante estava o dia em que Tita se sentiu como um chile que era deixado por decência para não demonstrar a gula”, escrevia Laura Esquivel em Como Água para Chocolate. Eu amo este livro, mas sinceramente não concebo o tempo em que os chiles en nogada eram deixados esquecidos no fundo de um prato. Não sei para vocês, mas para mim, seria um pecado capital ignorar as cinco horas que, por exemplo, meu avô Toyo levava para descascar as nozes de Castilla. Um soco no fígado às três horas que Dona Mago, a ajudante da minha amada avó, levava para assar, desvenar e descascar os chiles. Nem pensar nas outras cinco horas que minha avó levava para preparar a nogada, picar todos os elementos do picadillo, cozinhá-los e rechear cada chile. Lembro dela sentada, pegando com as mãos uma bolinha de picadillo e colocando-a, com todo cuidado, no interior de um chile. “Se você fizer com colher, eles saem magros”, dizia ela, uma pessoa que perdoava tudo, menos comer bem. No total, levava treze horas para completar o prato: alguém ainda tem dúvida de quanto valia a pena?O porquê dos chiles en nogada serem tão importantes na gastronomia do México tem um pouco a ver com a história não comprovada de Agustín de Iturbide, em cuja homenagem as freiras agostinianas do convento poblano de Santa Mônica criaram o prato, ou com o escritor Artemio de Valle Arizpe e seu relato sobre as três noivas, os três soldados e um prato para recebê-los que carregasse as cores da bandeira trigarante. Talvez o relato dos chiles en nogada e sua importância mereça uma viagem anterior. Uma de conquistas e mestiçagens conjugadas dentro de um prato barroco em ingredientes, técnicas e sabores: a carne moída e temperada com suas recordações mouriscas; os chiles, o tomate e o acitrón (proveniente da biznaga, hoje em perigo de extinção), legado do Novo Mundo; as nozes de Castilla e o xerez importados da Espanha; as especiarias trazidas do Oriente. A importância do chile en nogada também poderia levá-los às elegantes jantares de Porfirio Díaz, com seus gostos afrancesados e acentos nacionais. Dizem que o oaxaqueño era um adepto do prato e o pedia na celebração de seu aniversário. Ninguém o culpa. O chile en nogada nunca deixa a alma com desejos não atendidos.Gerardo Vázquez Lugo, mestre e senhor do Nicos, –o restaurante consagrado da lista dos World’s 50 Best Restaurants– diz que a importância do chile en nogada são seus ingredientes e sua origem. Cada prato saído de sua cozinha em Azcapotzalco é um mapa que traça uma linha reta em direção aos produtos e produtores de Zacatlán, do Vale de Tehuacán ou de Calpan no estado de Puebla. Até suas travessas de talavera fazem homenagem à região. O chile en nogada para ele é um prato que, além disso, “não desperdiça, é de temporada e usa tudo o que está disponível naquele momento em uma região: as maçãs panocheras, o chile poblano, a pera, a romã”. Para o chef Gerardo Vázquez Lugo não há UMA receita sacrossanta, aquela a que daríamos o nome de “A boa”. Existem, em contrapartida, um sem-fim de possibilidades que se adaptam aos tempos e às descobertas de cada família até culminar em uma receita que é herdada com mais emoção do que um colar de pérolas. E daí sua verdadeira relevância: assim como a cozinha tradicional mexicana declarada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO –um mérito do qual ele e muitos outros pesquisadores e cozinheiros nacionais tiveram participação– “o chile en nogada é cultura ancestral, viva e coletiva de grande orgulho”. Comer um chile en nogada é devorar cultura. Prepará-lo, também. É um momento de união, de festa. É uma espécie de Natal à mexicana. Para o chef Gerardo, “implica tradição, temporalidade e ingredientes”. E melhor ainda, “nos reúne em torno da cozinha. Essa é a celebração”. Nos próximos dias e até quinze de setembro continuaremos falando sobre a importância dos chiles en nogada. Daremos algumas dicas e sugestões de como fazê-los em casa. Falaremos de seus ingredientes e de algumas lendas de sua preparação como o chef Gerardo Vázquez Lugo e muitos outros pesquisadores fervorosos da culinária mexicana. Que comecem os jogos do chile en nogada e que a esteira nos pegue preparados.Receitas em nogada para iniciar a temporada:Chile en nogada empanadoChile en nogada sem empanar