De Kiwilimón para você

Uma homenagem à minha avó e à sua receita de mole verde

Por Shadia Asencio - 2020-08-28T11:56:11Z
O dom da minha avó era cozinhar. Todo domingo, religiosamente, quase uma centena de comensais se formava ao redor de seu restaurante em Tlalnepantla para provar a barbacoa. Não sei se é coisa do amor, mas não provei uma de melhor sabor do que a que ela preparava ao amanhecer do sábado e cobria entre pencas no buraco de pedra até o dia seguinte. Mas hoje não é dia de falar dos segredos de sua barbacoa, e sim de seu prato mais célebre: o mole verde. Meu avô colocou minha avó em um cavalo magro quando ela não tinha mais de quatorze anos. Para Celia, não havia outra escolha senão deixar as bonecas e pegar, em troca, as frigideiras e as panelas. Da bisavó Maria, ela herdou talentos como o de perceber o sabor dos pratos usando o nariz e o de usar os cozimentos como tempero. O mole verde veio anos depois, em sua época de ouro. Dona Celia, mulher empoderada de seis filhos, fez negócios prolíficos em torno da cozinha. Quando chegava o dia de seu aniversário, o pátio de seu rancho se tornava o lugar mais festivo de San Andrés Timilpan. Ainda me lembro da tambora, das mesas com toalhas que ela bordou em ponto cruz, das salsas ao centro e das senhoras fazendo tortillas diante do imenso comal. No meio da folia e dos netos brincando de “traís” saía a grande panela de mole verde. Como em um milagre, daquela panela de barro, Dona Celia saciava seus seis filhos e suas famílias, todos os amigos, todos os compadres, toda a aldeia. O desfile de pratos cobertos por seu guisado de cor verde-oliva começava de um canto do pátio e, às vezes, ia além do portão. O mole verde dela era especial. Ninguém duvidava. Ela não colocava sementes como geralmente se usa no Estado do México ou em Hidalgo. O dela levava amêndoas. Já sabem: moles há tantos quantos temperos e minha avó não gostava de regras; sua receita é tão única quanto ela. Isso sim, aviso que falta algo que não se contabiliza em um ingrediente ou em um passo do procedimento. Eu mesma já preparei a receita à risca junto com minha mãe e minhas tias e, embora o resultado seja muito bom, não sabe ao “Mole verde de Dona Celia”. Talvez eu deva esperar outro tempo e outra dimensão para prová-lo ao lado dela como me vem à memória.Hoje que escrevo isso, me dá vontade de colocar uma canção de José Alfredo e fazer minhas próprias combinações diante da panela de barro. Que de longe minha avó saiba que a lembro e que pelo olfato quântico detecte se meu mole ficou gostoso. O que ela fazia era agradar aos outros, mesmo que não pertencessem à sua família. Tenho certeza de que a deixaria feliz se vocês preparassem sua receita ou qualquer outra para comemorar seus avós. Brindar juntos pelo presente que é sua presença. Colocar a tambora, mesmo que seja na gravadora, ou os boleros ou as de Luismi para celebrar que, seja qual for seu dom, o dos avós é amar incondicionalmente seus netos. Sim, assim como Dona Celia.Mole verde estilo festa de Dona Celia250 g de gergelim100 g de amêndoas6 pimentas gordas +-10 cravos-da-índia2 pitadas de cominho1 bolinho frito em óleo1 tortilla frita em óleo2 kg de tomate verde manzano, descascadoPimenta verde jalapeño (a gosto, depende do ardor que se aguenta)1 frango inteiro, verduras, ervas aromáticas e águaSalóleoDesde muito cedo, coloca-se a cozinhar o frango junto com algumas folhinhas aromáticas, um pedaço de cebola e algumas verduras. Uma vez pronto, reserva-se longe da janela. Em uma panela com pouca água e um pouco de sal, adicionam-se os tomates. Basta que fiquem ligeiramente macios para retirá-los do fogo. Em outra panela, deve-se aquecer bastante óleo e dourar o gergelim com as amêndoas descascadas. Uma vez prontos, retira-se e fritam-se as pimentas. Todos os ingredientes devem ser moídos junto com as especiarias e um pouco do caldo de frango. Os tomates, não. Esses devem ser reservados pacientemente. Em seguida, aquece-se uma grande panela de barro, que de preferência tenha vários anos de uso. Deve-se despejar o mole e não parar de mexer nem um segundo para que não grude ou queime –preferencialmente que seja a mesma pessoa que o mexe e que os movimentos sejam no sentido horário para que “não se corte”–. Agora sim, adiciona-se o tomate já moído e, por fim, um pouco de caldo, dependendo da consistência que a família gosta. O último, e fazendo uso do nariz e do bom gosto, deve-se ajustar o mais importante da receita: o tempero.