De Kiwilimón para você

Uma ode aos domingos de churrasco

Por Shadia Asencio - 2022-02-21T17:26:28Z
Não me lembro do nome da senhora que trabalhava com minha avó. O que me lembro são suas tortillas palmadas à mão, tão redondas como se tivessem sido feitas na prensa. Não me lembro do seu nome, mas lembro de tudo o mais: o amarelo da tina onde guardava a massa, as bordas laranja que dividiam as paredes do local, as cadeiras de madeira grossa, as toalhas brancas e pristinas, as panelinhas de barro sempre cheias de molho. Até hoje, esses cheiros me transportam para os domingos na Barbacoa Tlalnepantla, o restaurante que meus avós mantiveram em sua casa por trinta e cinco anos.Cada domingo, o ritual chamava como um sino seus fregueses. No centro da mesa familiar havia uma penca assada e quentinha que guardava um tesouro: um par de quilos de paleta e carne de primeira. Eu não era frescura. Meu grande apetite me acompanhou por séculos. No entanto, a menina de oito anos que fui preferia o taco de barbacoa ao consomê, a carne de primeira às vísceras, o molho borracho ao sóbrio (a.k.a. o verde).Segundo o que me conta o chef Aquiles Chávez, tabasqueño de nascimento mas residente de Hidalgo, a barbacoa tem sua origem em culturas pré-colombianas. “Os maias chamavam pib ao ato de enterrar um veado envolto em folhas de bananeira ou de tó. A carne era marinada em um recaudo ou recado vermelho à base de achiote”. No altiplano, por exemplo, era preparada com xoloitzcuintli, pois ovelhas e porcos foram incorporados à receita até a chegada dos espanhóis. A barbacoa é um dos pratos mais complexos em nível técnico e cultural, e sua longa cocção a vapor faz com que os sucos da carne que ali se prepara sejam despertados. Obrigado, mundo! Pelo menos no México, a mais popular é a do altiplano – principalmente a de Hidalgo, Tlaxcala, Estado do México ou Querétaro – que geralmente é feita com carne de cordeiro ou cabra. E como a barbacoa fala da técnica e não do animal, no buraco cavado na terra – com uma profundidade de um metro e meio por cerca de setenta de largura, mais ou menos – pode caber qualquer proteína. Bem-vindas aves, carnes de caça, porco. No norte do país, a preparação é feita até com carne bovina ou enchilada e, nas grandes cidades, repletas pelo domínio do asfalto, pode ser feita em tambo.Este prato dá identidade, especialmente, à zona do altiplano e sua importância talvez se deva ao fato de que sua preparação é quase um ritual, “é um guisado, um prato de festa, de celebração. Fazer barbacoa é uma celebração”, complementa Aquiles. O processo de elaboração da barbacoa é extremamente trabalhoso. Minha mãe lembra que o trabalho começava com a compra de cordeiros cinco dias antes do abate. O sábado era o dia do sacrifício, o dia em que ela queria escapar de casa. Uma vez realizado o abate elaborado especialmente para garantir a carne dos animais, deixava-se pronto o recaudo que terminaria nadando no consomê: as cenouras, as cebolas, os chiles de árvore, os grãos-de-bico, o arroz. Às seis da tarde, meu avô e os irmãos da minha mãe acendiam o forno e, quando estava no seu ponto mais quente, assavam as pencas de maguey e, sem querer, um pouco de seus rostos. À moda do Estado do México, lugar de origem do meu linaje materno, também se preparava uma salada de nopales para acompanhar o cordeiro. Às nove da noite, retiravam as brasas maiores e colocavam uma panela com todos os legumes para que os sucos de cozimento escorressem ali, formando um caldo que eu nunca mais provei. Uma vez colocada a carne sobre uma grelha e coberta pelas pencas, fechavam o buraco com uma chapa que finalmente selavam com uma lama especial feita por eles mesmos. Depois era só esperar pela mágica do fogo do avô. A barbacoa ficava pronta para a primeira venda após as sete da manhã. A barbacoa de Hidalgo difere em que, sendo uma região vulcânica, os fornos são diferentes: “Em Hidalgo há muita obsidiana e muito basalto, produto das erupções vulcânicas. O forno tradicional de barbacoa hidalguense é um buraco na terra que muitas vezes é revestido com basalto”. A pedra porosa, também conhecida como pedra chinesa ou recinto, conserva muito bem a temperatura, sendo ideal para o cozimento da carne de cordeiro ou cabra. Outra particularidade do estado, segundo o que me conta Aquiles, é o sacrifício do cordeiro: “um processo bastante kosher”, afirma. Essa técnica particular da religião judaica, na qual se desangra o animal completamente, previne a decomposição prematura da carne. O mais comum é comer a barbacoa enchilada ou adobada em chile guajillo, cascabel, árvore, epazote, cebola e alho, ou comê-la em pancita, recheada com as vísceras do animal. “Também existe a pancita que é conhecida como verde. A cor é dada pelo epazote e pelo chile serrano e jalapeño”, me conta Aquiles.Embora cada região tenha seu café da manhã favorito, a barbacoa pode ser um dos cafés da manhã mais populares do domingo. Porque, embora amemos os tamales, os chilaquiles, os ovinhos, nada levanta melhor os ânimos de um fim de semana do que um taco de carne de primeira. “Vai te ajudar a curar os males do beber: a ressaca. É um alimento reparador pelo alto conteúdo em proteína e, bem, o consomê sempre é reconfortante”, assegura o chef. O banquete está à mesa quando um prato de barbacoa fumega. Sempre a acompanha umas tortillas feitas à mão, as guarnições de cebola finamente picada, coentro e limão. Há pulque, há uma cerveja, talvez duas. Café de olla, também. E junto ao taco, está o consomê, denso, picante, fervendo. Está a saladinha de nopales, como a faziam no restaurante dos meus avós e, claro, umas gorditas ou quesadillas fritas. E que não haja barbacoa dominical sem sua companheira inseparável: o molho borracho.“O chile pasilla é colocado para assar. Depois é molhado com um pouquinho de pulque, daí o nome de borracha. Leva os tomatinhos assados, cebola, alho. Eu coloco um pouquinho de coentro, sal, claro, e às vezes colocamos um pouquinho de queijo ranchero”, compartilha Aquiles. Minha mãe evoca o cheiro, a fragrância que emanava do forno no restaurante dos meus avós. “Comer a primeira barbacoa que saía do forno, ainda quentinha e desmanchando… depois colocar molho e comer em umas tortillas recém-feitas, é algo que não vou esquecer”, me compartilha. Inundada de memórias, eu também não posso esperar pelo fim de semana. Gostaria de voltar àquele tempo em que só havia que deixar o Chabelo na TV, correr até o restaurante e receber um taquito de barbacoa. Mas como o presente é um presente, vou preparar esta receita hoje mesmo. Se você também a preparar em casa, compartilhe comigo. Adicione um pouco de família, amor e taraaán: seja qual for o dia, você terá um domingo excepcional.