O sabor da vida ou como as especiarias transformam corações
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Kiwilimón - 2018-10-16T09:24:32.391779Z
Os que falam grego encontram a semelhança entre palavras que muitas vezes guardam entre si uma relação oculta e profunda. Tal é o caso entre astrônomos e gastrônomos: aquele que se dedica a estudar os astros e aquele que conhece a arte de comer bem.
O sabor das especiarias é tão poderoso quanto a influência dos planetas no desenrolar do tempo: no centro do tempero está o sol dos condimentos: a pimenta, que reina em todos os pratos. Enquanto a canela é sensual e concupiscente, doce e amarga assim como as mulheres que representa Vênus. E a terra é como o sal, indispensável para a vida e o sabor.
Onde podemos aprender sobre esse maravilhoso conhecimento dos astros e da comida? Na cidade de Istambul, na loja de especiarias do velho Vassilis. Assim que a campainha soar alertando a abertura da porta, esse homem sábio se aproximará de você para saber o que você quer e o que realmente precisa. Pois talvez você peça um pouco de cominho em pó, mas quando o vendedor souber para que você precisa, então ele recomendará levar outra especiaria mais adequada.
Vocês sabiam que o cominho impregna a comida com um aroma profundo e então os comensais se tornam introspectivos? E se o que vocês querem, pelo contrário, é abrir a conversa de forma amável e casual, então devem adicionar canela, que é cordial e venusina! Para os sogros, canela! Embora a receita não indique.
Na loja, pode-se comprar azeitonas kalamata, pimentas secas, raminhos de manjericão e pequenos estoques de açafrão persa. Vassilis é um homem simples, franco e apaixonado. Ama Istambul como a nada, percorre as velhas ruas até o Hammam, onde vai uma vez por semana para aliviar as dores no pescoço causadas pela desavença entre turcos e gregos que convivem na lendária cidade de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente.
Com o mais belo hipódromo e a catedral de Santa Sofia, decorada profusamente com mosaicos dourados que iluminam o rosto de Cristo Pantocrator, e no meio da cidade se encontra, dividindo o continente asiático do europeu, o belo rio Bósforo, de cor azul turquesa, de onde se extraem peixes exquisitos.
Todas as manhãs, ele acorda com o canto do almuédano que chama os muçulmanos à oração. Mas ele vai à missa cristã na capela ortodoxa de seu bairro.
Ninguém como ele sofreu as detenções do governo turco contra os gregos residentes que foram deportados para Atenas. A família do velho Vassilis teve que migrar, deixando-o sozinho em Istambul. O que mais lhe doeu foi se despedir de Fanis, seu neto. A quem ele inculcou o gosto pela cozinha a ponto de se tornar um cozinheiro profissional. Mas que também viajou com sua imaginação pelos planetas das especiarias até se tornar um renomado astrônomo da Grécia.
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Todos os anos, Vassilis prometia viajar a Atenas para visitar a família, mas sempre acontecia algum imprevisto que o impedia de deixar sua amada Istambul. E sem saber, contribuiu para que seu neto crescesse como um desajustado no contexto grego, pois sua condição de bizantino pesava mais do que o nacionalismo inculcado da Grécia.
Assim, encontrou como via de expressão a comida, pois ao temperar os pratos com as especiarias que seu avô lhe ensinou a distinguir e usar, então vivia isso como um reencontro com aquele amor a seu ancestral e uma possibilidade de tocar, através do sabor, a cultura que o havia formado em sua primeira infância.
Transcorreram muitos anos para o reencontro entre neto e avô. Infelizmente em condições trágicas. Mas a impressão do astrônomo e do gastrônomo plantada por Vassilis germinou em seu neto.
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