Ser pioneira na cozinha não é fácil. Corrijo. Ser pioneiro em qualquer área é uma raridade. Chepina Peralta foi uma daquelas designadas para abrir caminhos e o fez apaixonada pelas receitas: nos anos sessenta, foi a primeira apresentadora mulher a liderar um programa culinário na América Latina. Nos noventa anos que Lucía Josefina Sánchez Quintanar viveu, nos fez sonhar com os sabores daquilo que a víamos fazer do outro lado da televisão. Na semana passada, partiu, mas está claro: Chepina Peralta é cultura popular mexicana. Seu legado não vai a lugar nenhum.
Chepina foi a apresentadora de programas inesquecíveis como A Cozinha de Chepina, Chepina na sua cozinha e, claro, Sal e Pimenta, entre muitos outros. Em cada um, sempre era emoldurada pela barra de uma cozinha e prateleiras de cenário, enquanto parada ou sentada, descascava ingredientes, adicionava especiarias e salpicava sem reparos. Nela não havia poses nem rituais histriônicos. Pelo contrário. Em seus programas, nos fazia acreditar que a comida boa estava ao alcance de todas as mãos e que o máximo seria provar algo que viesse das dela.
A mim, pessoalmente, me inspirou aos sete anos a fantasiar com meu próprio programa culinário. Muito apesar da cozinha dos meus pais, eu não adicionava espinafre nem acelga no liquidificador quando assistia Sal e Pimenta. O que ela evocava em mim era criar, me divertir: “Amigos, hoje vamos preparar uns deliciosos bombons com batatinhas… e pimenta… e ketchup… e biscoitos… na torradeira. Vão ficar ótimos!”.
Chepina não só inspirou crianças e suas mães, mas gerações de famílias que começaram a comer com os olhos. Graças a ela – a senhora do avental florido – muitas mulheres decidiram dar descanso ao microondas, comer menos pratos congelados. A cozinha e a saúde das gerações abre-fácil conhecemos a esperança do feito em casa.
Mas que ninguém se deixe enganar por essa doçura de tia carinhosa, de avó mimosa. Chepina Peralta soube construir seu próprio império em torno das receitas. Ela não estudou para cozinheira. Segundo sua descrição, era uma “mestra na arte da palavra”, por isso a condução de um programa televisivo parecia lhe cair como uma luva de seda.
Seu dom de palavra e carisma lhe garantiu um espaço fixo em distintas emissoras de televisão nas quais gravou quase oito mil programas. De seus livros, são contados treze. Há programas de rádio, entrevistas, publicações escritas. Tudo.
Chepina, antes que a cozinha mexicana se tornasse o orgulho nacional que é agora, a divulgou, a reincorporou ao menu diário com preparações fáceis e acessíveis para as donas de casa. A cozinha dos anos setenta e oitenta foi marcada por suas
cremes de legumes, por seus
mixiotes, seus atóis, suas tortinhas de batata, seus
bolos salgados e suas
gelatinas. Sem mais, definiu a cozinha do dia a dia ao longo dos anos.
No âmbito do Festival Morelia em Boca de 2017, Chepina Peralta recebeu um reconhecimento pelo mérito de seus quarenta anos de carreira. Ainda tenho a lembrança da chef contando emocionada que foi através da cozinha que conheceu o México, o mundo e, acima de tudo, a si mesma.
Chepina continuará sendo a inspiração de quem pensa que cozinhar é alegria, terapia e autoconhecimento, e que um prato de cada vez pode mudar a outros, a si mesmo.