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Recomendações Gastronômicas

O segredo do ramen perfeito
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O segredo do ramen perfeito

Por Margot Castañeda - 2021-08-04T17:41:56Z
Ramen: a menos delicada e a mais intensa das sopas. Gorduroso, salgado, cremoso, profundo, explosivo, cheio de umami e calorias, o ramen é uma sopa curativa, mas hardcore. É ideal para aqueles momentos deliciosos em que nada nos importa e simplesmente nos damos o prazer. 

Comê-lo é fácil: pegar os noodles com os hashi, aproximá-los com a colher e aspirar; depois, sorver o caldo fervente, morder a carne de porco, quebrar o ovo e deixar a gema suavizar tudo. Parar por alguns segundos para apreciar as camadas de sabor e texturas que formam esse precioso gestalt (como dizem em Tampopo). Há sabor de oceano, de frango, de porco, de vegetais, de terra, de umami, talvez de algo fermentado e vivo. Sorver, aspirar, beber, mastigar, tudo rapidinho antes que esfrie. Por fim, segure a tigela com ambas as mãos e não a solte até que a última gota tenha entrado no corpo. Em poucos minutos, a barriga, a boca, a garganta e até a alma —se é que existe— ficam quentes e satisfeitas. Os lábios pegajosos pela gordura e colágeno do caldo carnudo, o queixo molhado pelas gotas derramadas, a barriga inchada e a mente relaxada. E quem sabe aqui cabe até um arroto.

Se comer, o ramen é confortável, fácil, acessível e aconchegante; mas se cozinhar, o ramen é caótico, complexo, elusivo e alienante.

Cozinhar é mais difícil do que parece: é preciso conseguir um caldo transparente e puro, uns noodles macios mas com grande corpo, um tare poderoso e saboroso. Calma, é preciso primeiro entender a estrutura básica do ramen: o tare, o caldo, os noodles e os toppings. O tare (ou kaeshi) é uma redução salgada que é servida antes do caldo e que determina o sabor do ramen: de soja (shôyu), de sal (shio), de miso (miso) ou de porco (tonkotsu). O caldo é, em geral, uma mistura de ossos de porco, frango, peixe e vegetais, embora cada um tenha sua própria receita. Nos noodles é preciso cuidar do tipo de água (sua mineralidade), das farinhas, da massa, do tempo de descanso e da cocção no momento. E com os toppings é preciso observar se o porco está em fatias finas (cerca de 3 mm), o ovo macio, os brotos de bambu crocantes e, acima de tudo, que cada elemento some ao umamidade do ramen.

A umamidade, ou seja: a qualidade de umami, o sabor que está nas comidas mais saborosas do mundo, tem sido explorada e entendida na cozinha japonesa há mais de um século, mas as pessoas ocidentais mal conseguem descrevê-la. O umami é essa intensidade profunda que invade da garganta e cria uma sensação de preencher a boca, de plenitude, de satisfação, de saciedade. É essa delícia que quem sabe de onde vem. O umami é quase um sabor emocional e é a mera essência do ramen.

O desafio é encontrar umami em todas as suas camadas. O problema é que é um sabor sutil e escorregadio. O fácil é usar glutamato monossódico em pó, mas o divertido está em buscar ingredientes que tragam esse sabor de maneira natural. Está nos cogumelos, nos tomates, na carne e nas algas, por exemplo. Ivan Orkin, pioneiro das ramen shops nos Estados Unidos, ficou famoso em Tóquio e em Nova York por conseguir uma fusão de suas raízes judaicas nova-iorquinas com a receita tradicional japonesa. Ele passou 20 anos no Japão para conseguir aquele ramen que é seu. Tem tomate assado e toda a internet conta que é delicioso.

Fazer um bom ramen como o de Orkin, com dimensão de sabor e uma história pessoal, requer maestria e, por isso, precisa da total dedicação de quem cozinha. 

Kazuo Yamagishi, que inventou o ramen nos anos 50, dedicou mais da metade de sua vida a isso. Treinou centenas de cozinheiros (sim, a grande maioria eram homens), que herdaram suas técnicas, mas construíram suas próprias receitas. Assim começou a vocação do ramen. 

Tampopo (1985) explica assim: para conseguir o prato de ramen mais esplendoroso, quem cozinha deve, primeiro, dominar-se e encher-se de vida e coragem. Não é por algum tipo de pensamento mágico, mas para ter a força emocional para nunca se conformar e focar em uma única missão: aperfeiçoar seu ofício e seu prato. Dedicando-se, portanto, como Picasso à sua genialidade cubista ou Mozart ao seu réquiem.

O belo é que o ramen não é categórico, então há muito espaço para a criatividade. Ao contrário da natureza da cozinha japonesa, o ramen é livre e se estica até onde a engenhosidade humana alcançar.

No México, onde ainda cabem mais opções, temos o de curry e berinjela grelhada de Koku, o picante com kimchi e queijo americano de Send Ramen, o birriamen de Caldos Ánimo e até o ramen mexicano de camarão de Gori Gori. Haverá quem duvide que esses dois últimos sejam ramen e não caldos mexicanos com noodles, mas diante disso digo que talvez o ramen seja como o taco: já não é um prato, é uma forma de comer. 

Além disso, o ramen não é japonês de sangue puro, então não podemos exigir que ele se estacione em um único país. Os noodles (la mein) são chineses. O Japão construiu sua própria narrativa com eles, então quem quiser pode fazer o mesmo com o ramen, pois seu cânon —como todos os cânones— é vulnerável à mudança.

O título deste texto promete um segredo e aqui vai: para conseguir o ramen perfeito é necessário compreender sua estrutura e dominar as técnicas, mas é imperativo dedicar atenção e intenção ao processo e, acima de tudo, narrar-se nele, pois o ramen é pessoal.

Sejam incríveis, comprem um monte de ossos de porco (patas, principalmente), frango, vegetais, dashi, mirin, sake, miso, gengibre, alho, nori e o que mais tiver vontade no supermercado japonês e no mercado mexicano. Explore sem medo. Se isso servir de inspiração, esta é a minha receita (que está longe de ser a perfeita):
  • Tare: shio, uma redução de caldo de cogumelos (de vários, os que houver, na época das chuvas a seleção fica boa) e um refogado de cebola, alho e gengibre com bastante manteiga e gordura de porco. Na hora de servir, coloco um pouco de dashi.
  • Caldo: de porco (com ossos, joelho, cabeça e vegetais diversos).
  • Noodles: nunca os fiz, mas compro os frescos de Mikasa.
  • Toppings: muitos cogumelos temperados, fatias finas de barriga de porco, espinafre fresco, gergelim, cebolinhas e algumas gotinhas de óleo de alho e pimentões vermelhos.
  • Harmonização: mezcal ou sake enquanto cozinha e um vinho rosé seco para comer.
Para cozinhá-lo é preciso planejar e reservar pelo menos um dia completo da sua agenda, então por agora, por tudo que é mais sagrado, provoquem um momento para deixar tudo de lado e vão por um ramen já.