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Quaresma

Ceviche, o curtido, o fresco, o delicioso
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Ceviche, o curtido, o fresco, o delicioso

Por Mariana Castillo - 2021-03-17T12:41:43Z
Ao ouvir a palavra “ceviche”, talvez você comece a salivar. É sinônimo de emoção, de colorido e também de variedade. A época de calor pede ceviche nas mesas, e não há nada como saborear um para uma refeição deliciosa, rápida e leve. 

Seu universo começa a se esclarecer ao investigar como escrevê-lo, se com “v” ou com “b”. Sobre a origem dessa palavra, existe uma referência de Javier Pulgar Vidal, historiador peruano, que afirma que vem da palavra quechua siwich, que significa “peixe fresco” ou “peixe tenro”.

Outra explicação é a que dá o Centro Virtual Cervantes, que explica que este vocábulo tem suas origens no árabe sikbāǧ, que é um método de conservação com ácidos como vinagre ou suco de cítricos, e que outras formas de escrevê-lo (menos comuns, isso sim) são seviche e sebiche. O certo é que ambas são usadas e corretas, dependendo do lugar e da tradição.

Mauricio Ávila, pesquisador gastronômico, diz que o ceviche no México, em sua opinião e sob a abordagem tradicional, é uma técnica e não apenas um prato, para o qual é indispensável que se use um cítrico para curtir o cru, que pode ser peixe, camarão, lagosta, caracol, marisco, entre outros insumos. E a isso se adicionam, conforme a região, ervas, verduras, pimentas e molhos — crus —, sal, entre outros, isso sim: tudo fresco. 

Sobre sua origem, ele expressa que existem certos mitos, e que embora tenha se tornado famoso e midiático dizer que vem do Peru, esclarece que o correto é mencionar que existe graças à riqueza que surgiu com o intercâmbio a partir das viagens da Nao de China no século XVI, também chamada de Galeão de Manila e Galeão de Acapulco.

Essas rotas marítimas comerciais e culturais abertas pelos espanhóis entre a América e as Filipinas são responsáveis por uma infinidade de técnicas, ingredientes e conhecimentos originários da Ásia e da África. Esse fato também é destacado pelo Grande Larousse da Cozinha em relação ao ceviche e seus possíveis começos.

Além de especiarias, sedas, marfim, porcelana e mais, chegava algo ainda mais significativo: comerciantes e marinheiros filipinos, chineses, tailandeses, vietnamitas e mais, assim como escravos japoneses e africanos, com saberes e sabores que foram incorporados nas terras onde chegavam com os alimentos que traziam, como arroz, limão verde, laranja azeda, limas, bananas, mangas e mais. 

Ele realizou diferentes entrevistas em trabalhos de campo em várias regiões como Costa Grande, Costa Chica, Quintana Roo, entre outros, e a constante é que as cozinheiras e pescadores sugerem curtir o peixe durante 10 minutos no máximo e, no caso dos crustáceos, de 15 a 20 minutos. 

Ele também acrescenta que deve-se comer no momento, pois a prontidão e a frescura são suas regras. Inclusive, é preparado em pangas, cayucos ou lanchas com a pesca recém-capturada, pois é parte da cozinha de marinheiros, e as tostadas estão associadas a ele, já que essa outra técnica de conservar as tortillas antes que estraguem é comum em nosso país por questões de aproveitamento e zero desperdício.

Alma Cervantes, pesquisadora e cozinheira sinaloense, explica que o ceviche em Sinaloa é um prato fundamental do dia a dia: seja que você pare em uma barraca de rua para comê-lo, acompanhado de uma água de cevada, ou que o prepare em casa e o acompanhe com uma cerveja, é identidade alimentar.

O ceviche sinaloense original mais consumido leva limão, pimenta-do-reino moída, às vezes alho, sal grosso, pepino, cebola roxa, tomate e camarão fresco. Ela expressa que também se usa muito o ceviche em molhos pretos, que leva quase os mesmos ingredientes que o anterior — com exceção do tomate —, e uma mistura de molho inglês, de soja, suco de limão e de laranja, além de chiltepín. Os de caranguejo, polvo, robalo, botete e pargo são outros habituais.

Um que está desaparecendo e que ainda pode ser visto na parte sul desse estado é o de camarão seco, narra Alma, já que está relacionado a uma técnica de conservação chamada barcina, que consiste em uma bola feita com folha de palmeira selada com fio de cana e que envolve o camarão. Este se conserva ali por até sete anos. Costumava ser vendido nas lojas de vilarejo, mas com a mudança do tipo de comércio, está cada vez mais raro. Álvaro Maldonado é um artesão que ainda as faz para conservar esse conhecimento. 

Para Rodrigo Estrada de Agua y sal e Yemanyá, o ceviche hoje em dia é um prato emblemático na América Latina que a comunicação e a globalização tornaram conhecido. Para ele, o ceviche estilo Acapulco de sua infância é especial — que de acordo com Eduardo Palazuelos de Mario Canario e Zibu, leva molhos Búfalo e ketchup, tomate, azeite de oliva, pimenta, sal, orégano, azeitonas, coentro, cebola, tomate e limão, e pode ser feito com peixe, camarão, polvo e mais —.

Ceviche é o novo preto, expressa Rodrigo, pois é um estilo de comida que captura os sentidos por suas notas de acidez e picância que dão vontade de querer mais e, acima de tudo, é um prato extremamente saudável, outra tendência que hoje o torna atraente. 

A criatividade do ceviche na cozinha contemporânea está em aproveitar ao máximo o sabor de cada peixe e entender que podem ser incorporados outros elementos não usuais neles. Uma de suas criações é o cebiche ao fogo que leva peixe do dia e camarão em molho de pimenta ralada, cebola roxa e coentro, acompanhado de esquites assados com um toque de sal defumado de Alderwood.

Este cozinheiro tem sido viajante e nômade: depois de viver oito anos em San Francisco e ter sido parte da equipe de La Mar, cevicheria de Gastón Acurio, afirma que hoje em dia existem cinco elementos básicos para criar um ceviche: peixe, limão e outros cítricos, sal — fundamental —, cebola — incorporada no final para que não perca sua textura — e pimentas — inclusive, incorporando algumas pouco usadas nessas preparações como o chilhuacle ou o puya —.

O leite de tigre é algo que diferencia o peruano do mexicano, assim como alguns elementos que o compõem, como a incorporação de grãos frescos de milho choclo ou cancha, assim como o uso da batata-doce, que para ele é um elo para torná-lo redondo, cremoso e com notas doces que dão outras sutilezas. 

Dados sobre o ceviche:
No México, existem diferentes tipos de ceviche.
  • Por exemplo, em Manzanillo, Colima, é preparado com peixes como serra, pimenta, sábalo, robalo e pargo. Sua receita leva tomate, cebola roxa, pepino, coentro, cenoura, limão e sal de Colima. Sua peculiaridade é que o peixe é ralado com garfo e fica bem moído.
  • O nayarita é semelhante ao colimota: leva cenoura, cebola, tomate, coentro, pepino e limão. O segredo de sua receita está na pequena quantidade dos pedaços dos ingredientes e em deixá-los marinar muito bem em limão.
  • Em Veracruz, desde Alvarado e seus arredores, podem ser encontrados desde os que são feitos com palmito (acompanhado por um molho de pimenta chilpaya), até os que têm caracol. 
  • Você sabia que no Peru o cebiche tem seu dia? É 28 de junho. Esta data foi instituída em 2008, graças a uma resolução do Ministério da Produção (Produce), com um antecedente em 2004, quando foi declarado Patrimônio Cultural da Nação pelo Instituto Nacional de Cultura (INC).
  • Rodrigo sugere que nunca se usem peixes congelados para os ceviches, mas que sempre sejam frescos e locais, evitando o consumo de tilápias ou bass importados, além de respeitar as períodos de defeso.
  • Alma aconselha que, ao fazer um ceviche, o peixe ou o camarão sejam colocados em um pouco de gelo com sal e levados à geladeira de meia hora a uma hora, pois isso faz com que tenham melhor consistência.
Foto de capa: Fernando Gómez Carbajal | Fotos do texto: Mariana Castillo