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Recomendações Gastronômicas

As maravilhas da cozinha tabasqueña
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As maravilhas da cozinha tabasqueña

Por Shadia Asencio - 2022-12-09T08:51:36Z
Estou intrigada. Pergunto ao meu pai por que ele nunca fala da comida de Tabasco, sua terra. Para minha surpresa, ele faz uma careta. “O que acontece”, ele me conta, “é que eu tinha medo”. Meu avô chegava em casa com pochitoques, pejelagartos e tartarugas que seus trabalhadores lhe presenteavam para serem cozinhadas pela minha avó. Meu pai, com apenas quatro aninhos, via aqueles répteis à vista no prato como monstros de peles rochosas, não comida. A anedota talvez sirva para contar que essa culinária é regida pelo diálogo constante entre o homem e a natureza: entre a cultura e insumos exuberantes, exóticos e únicos.

Meu espanto pela cozinha que meu pai herdou parte do véu misterioso do desconhecido. Essa culinária tece cores entre o pré-hispânico, o espanhol e, claro, o mestiço. A despensa local se compõe daquilo que cresce e se move nos manguezais, rios, pântanos e litoral. Por isso, existe todo tipo de frutos do mar e peixes cozinhados entre folhas. Frutas, plantas e vegetais se desenham em suas pinturas naturais como em um quadro de Gauguin.

Talvez algo que se distingue nessa cozinha é o chile amashito: embora seja parecido com o piquín do norte, nas terras úmidas de Tabasco ele adquire novas dimensões de sabor, cheiro e textura. “Sua ardência é semelhante à de uma formiguinha vermelha, que quando te pica você sente uma leve queimação e depois desaparece completamente”, me conta a chef Lupita Vidal, célebre representante da cozinha tabasqueña desde seu restaurante La Cevichería de Tabasco.

Por política ou cultura, ninguém pode esquecer do pejelagarto, emblema da gastronomia da entidade e agora mesmo, do Palácio Nacional. Seu sabor é forte, por isso costuma ser preparado assado lentamente na brasa ou guisado com achiote e apresentado em empanadas. Mas se tem algo do qual os tabasqueños – e de fato, todos os mexicanos – se orgulham, é do cacau criollo que cresce em Chontalpa, Sierra e Centro, principalmente. Esta semente de árvores centenárias, presente dos deuses, tem sido fermentada e consumida desde os tempos pré-hispânicos em preparações como o pozol.

Não falta o plátano macho em infinidade de guisados: costuma ser utilizado quando está verde para aportar acidez, assim como bem maduro, com seu sabor doce. E não para por aí, a folha envolve uma infinidade de tamales de todas as formas e cores, como o chanchamito que é redondo como um mixiote. As folhas de outras plantas do pântano também funcionam como envoltório de preparações a que oferecem abrigo e sabor. Ervas como o momo, o musté ou o chipilín adornam as panelas com suas notas anisadas.

Outra preparação típica é o mone de robalo ou de porco, cujo origem remonta à cultura Zoque. Há o pijije em pipián, o caldo de tartaruga – como o que preparavam para meu pai – ou o chirmol de carne, um guisado típico das muitas criações de gado da entidade. “Isso consiste em assar pedaços de carne junto com tomate, alho, cebola, chile de color e moer com semente de abóbora e tortilla queimada”, me explica Lupita. O resultado é um caldo colorado com notas defumadas e complexas.

E aqui outro marco dessa gastronomia local: a fumaça. A fumaça purifica, a fumaça transmuta, a fumaça é especiaria e ingrediente. As avós e as cozinheiras sabem disso, e por isso a utilizam para transformar seus produtos com o toque do vovô fogo. A fumaça além disso toca com suas mãos etéreas os utensílios com os quais se cozinha ou se bebe na cozinha tabasqueña, como são cajetes, jícaras e comales.

A fumaça surge da lenha das árvores da selva, das folhas ou das palmas de coco secas. No fogo se cozinha tudo: tanto carne quanto ostras, peixes e outros produtos que coexiste na Amazônia mexicana, o Usumacinta.

A conservação dos alimentos nesta latitude úmida e pantanosa é indispensável, por isso além do fogo, a salgação está integrada às suas técnicas culinárias. Em sal se cozinha e conserva a carne de boi que será cozida junto à chaya e ao plátano verde ou bem, o camarão que é preparado acompanhado de abobrinhas.

Outra forma de prolongar a vida das frutas, tubérculos e cítricos é deixar que o mel, o açúcar e o piloncillo façam o feitiço de transmutar o tempo. Meu pai lembra com carinho dos doces cristalizados que as cozinheiras guardavam em grandes panelas de barro. São comuns os doces de nance, de abóbora, de orelha de macaco, de laranja, de limão real, de mamão, de cocoyol, de pataste ou chayote. “Sempre depois de uma comilona, se tira o tupper da geladeira e se serve um pouco de doce que você pode desfrutar com café ou pozol”, confirma a chef. Eu, à lista de bebidas, acrescentaria o balché feito com a casca de uma árvore de flores roxas.

A natureza rege a gastronomia do estado, no entanto, o humano a transforma em cultura popular dentro dos mercados. Por isso, não se deve perder a visita ao tianguis de Jesús Taracena, em Villahermosa, para provar toda classe de antojitos. Estão os platanitos recheados, sejam de queijo ou de carne: “São como bolinhos de plátano macho fritos. Quando o plátano está no ponto, gera uma sensação no paladar que faz salivar qualquer um”. Também estão as tortillas gigantes e fritas em banha que são recheadas com diversos ingredientes e vão ao comal de barro. E claro, é preciso fazer um maratona para provar a incomensurável variedade de tamales como os de chipilín, de “caminito”, de potze ou os de massa colada com guisado colorado.

Meu pai e sua família se mudaram logo para a Cidade do México, e por anos habitaram na rua de Tabasco na Roma, porque Tabasco é levado como raiz perene. Finalmente entendo que ser tabasqueño é conectar-se com a natureza e saber-se parte de um festim que a Mãe Terra organiza a cada dia. “Se você quer ver as estrelas mais lindas do firmamento, venha a Tabasco que aqui te espera o sol ardente e a lua bela, a água fresca e a terra boa”, conclui Lupita. Vamos?