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De Kiwilimón para você

Assim sabe comer com Aquiles Chávez em Hidalgo
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Assim sabe comer com Aquiles Chávez em Hidalgo

Por Shadia Asencio - 2022-04-08T14:19:38Z
As conversas se atropelam umas às outras em torno da mesa. Também se ouve o choque dos copos, as colheres batendo nos refratários, a crosta do pão se quebrando diante das mãos ansiosas dos comensais por desmembrar um pedaço. Se nos observassem de cima, perceberiam o quanto estamos disfrutando do banquete: há uma sopa de feijão e milho, um carpaccio de tomate com ricota e gergelim, batatas-doces e cenouras assadas, o peixe coberto por um menieur com alcaparras que Aquiles Chávez acaba de nos servir no prato. Não estamos em uma cena da Netflix, mas nossos alimentos parecem de filme. 

Hidalgo, "A bela airosa", além de ser famosa pelo seu vento, é conhecida pela proeminência verde de suas pradarias, por seus seis pueblos mágicos, pelos prismas basálticos. De sua gastronomia, a barbacoa, o pulque e os pastes são responsáveis por uma peregrinação rodoviária que inclui várias horas de saída e entrada na Cidade do México, como em um conto de Cortázar. Mas há mais. Simplesmente para que em um restaurante como o Sotero, lugar onde nos encontramos, se utilize ingredientes locais diariamente, a oferta de insumos deve ser excelente. E é. 

Após um ano, voltei a estas coordenadas porque o chef Aquiles inaugurou “Experiências por Hidalgo”, um programa de gastroturismo cuja função é exibir a grandeza culinária do estado, assim como seus melhores insumos e produtos. Durante o fim de semana, pude provar uma boa parte deles em um café da manhã em Huasca de Ocampo com os produtos de Novos Horizontes, em um almoço com barbacoa feita no forno da fábrica de Anfora, e na comilança em que me encontro agora e que há algumas horas começou como uma aula de cozinha ministrada pelo célebre cozinheiro. As experiências são feitas sob medida, ao gosto de cada viajante e cada sensibilidade gustativa. 

O que é gostoso? O primeiro é o verde, embora na verdade no jardim de Novos Horizontes de Flavio Fernández exista um arco-íris de tonalidades: quase cento e trinta espécies de tomates, alfaces de ondulações variadas, beterrabas brilhantes, aipos gigantes, cenouras perfeitas, abobrinhas, cebolas. A apenas uma hora de Pachuca, em seu terreno de cultivo misto e adubos limpos, os vegetais crescem em cada estação. Flavio diz que não tem a certificação de "orgânico", mas não precisa. Ele não usa pesticidas químicos e dedica o fruto de seu trabalho diário a manter a terra com os nutrientes necessários junto ao temporal – santo de todos os ciclos agrícolas –. O resultado são hortaliças insuspeitamente saborosas. A boa notícia é que um pode prová-las no Mercado el Cien, na Roma.

Estão também os lácteos. Nucana é uma marca que não vende espelhos nem medalhas; vende bom queijo extraído de boas vacas. Suas receitas são saudáveis, cuidadas, feitas com pinças. Há uma infinidade de variedades: estão os queijos frescos de feta, o cacciotta, o santa Maura de cabra, a mozzarella e a burrata. Entre os maturados estão o gouda e o asiago. 

Não falta o pão. O que provamos das mãos de Aquiles Chávez é de massa mãe e feito em casa. Agora porque é noite, mas esta manhã também tomamos as conchas, que o chef chama de Concepções, os croissants, os rolinhos com uma geleia de goiaba que são assados diariamente na padaria Sotero. A manteiga também é feita aqui e é elaborada com pulque. 

Segundo nos conta o chef, nos campos são criados os porcos, as ovelhas e as cabras com os quais se prepara a melhor barbacoa de buraco do México e sua inseparável tripleta: o consomê e a pancita. Segundo me conta o pai de Aquiles, a deste ponto do país é famosa por seu sistema quase kosher no sacrifício dos animais e pela temperatura que atingem os fornos recobertos por pedra vulcânica, endêmica do estado. 

E como não há barbacoa sem pulque, eu provei o do produtor Mario Islas Palacios (a.k.a. Mario Maguey), que é excepcional. Este homem, cheio de experiência e sabedoria, elabora aguamiel e pulque no município de Epazoyucan seguindo o método tradicional em que se cuida da planta desde o plantio. Ele e sua família conservam uma consciência agroecológica que torna a experiência de beber o elixir dos deuses ainda mais emocional: para cada maguey que se acaba e do qual se consome absolutamente tudo – piña, quiote, pencas com as quais se envolve a barbacoa, o aguamiel e até espinhos –, são plantados dez mais. 

De bebidas hidalguenses há mais que pulque e aguamiel. Também estão a requintada, a tachuela, o acachul e o achocote. Embora não seja tradicional, mas o fruto da herança de migrantes ingleses na região durante a explosão mineradora, a novidade é a ginebra local, Jäpi Gin. A ginebra é feita com milhos originários colhidos no Vale do Mezquital e possui um sabor levemente herbáceo, ideal para gin tonics, mais do que para martinis. 

Minha viagem também incluiu uma visita à fábrica de Anfora, outro orgulho local, que durante a pandemia completou seu primeiro centenário. O comercial adicional é que nossa editora adjunta, Fernanda Balmaceda, ajudou na edição do livro e que está genial. Hidalgo tem muito o que ver, muito o que desfrutar. Eu comprovo isso neste jantar que desfruto sentada em um recanto interior de Sotero. Já chegam à mesa umas morangos com creme irlandês e suspiros suíços que começo a comer com os olhos. Minha experiência por Hidalgo continua enquanto minha concepção sobre sua gastronomia muda para sempre.