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De Kiwilimón para você

O que não te contaram sobre os chiles em nogada
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O que não te contaram sobre os chiles em nogada

Por Shadia Asencio - 2022-08-26T14:22:49Z
Puristas da cozinha mexicana, respirem antes de ler a próxima entrega. Amantes da verdade, segurem-se firme porque falaremos sobre um dos marcos da cozinha mexicana: o chile en nogada, ou melhor, “os chiles en nogada” – no plural, como dizemos, embora comamos apenas um. E é que o mexicano ama este prato. O detrator é olhado com desânimo. O chile en nogada nos representa e este carrega as cores do México, pois como dizia José Luis Juárez López, “comemos pátria, história, antiguidade ancestral”. 

Cada uma de suas partes é opulenta. Ao serem servidos, alguns se apresentam com laços e são dispostos em pratos de talavera que falam do ritual que é comê-los. E para completar, cada chile é quase do tamanho de um menino Deus e quase como aquele ou como uma bandeira, são venerados nas festas patrias. No entanto, para os estrangeiros amantes da nossa cozinha, a receita pode parecer desconhecida. Seus ingredientes viajam pouco e viajam mal devido à sua endemicidade e temporalidade. 

A romã, que salpica de vermelho-rosado a brancura da nogada, floresce de julho a setembro. O resto dos ingredientes bem poderia ser conseguido o resto do ano, embora seja melhor não prepará-los. Segundo alguns puristas, os chiles en nogada são consumidos nesta temporada e cada insumo deve proceder de Calpan, Puebla. 



Há algumas semanas conversei com Alberto Peralta de Legarreta, doutor em história e etno-história mexicana, sobre os mitos que se formaram em torno do chile en nogada. O que primeiro saltou ao ringue foi a receita. Segundo ele, “os chiles en nogada são um prato de elite, de festa. São celebratórios”, e a receita foi escrita por pessoas abastadas, pois “apenas os ricos tinham tempo para cozinhar”. Além disso, os primeiros chiles eram consumidos como sobremesa e só com o tempo passaram a ser um prato principal.

Peralta afirma que os primeiros registros do prato não falam de um chile en nogada per se, mas, por um lado, de um chile recheado de picadillo; a nogada, por sua vez, era elaborada para outro tipo de receitas: “A receita da nogada levava vinagre e acompanhava um peixe. Não se parece com a que conhecemos hoje”.

Não existe evidência comprovável de que as freiras agostinianas do convento de Santa Mônica tenham criado a receita. Também não há sobre o suposto concurso para homenagear o Exército Trigarante nem sobre terem sido criados para Agustín de Iturbide em 1821, quando se consumou a independência diante dos tratados de Córdoba. “A primeira fonte confirmada em que aparece a receita foi em um livro de receitas de 1917 e foi até 1930 que apareceu nos livros de receitas dos jornais da época”, afirma Peralta.

Outro dado impactante é que, nas receitas mais antigas registradas, a romã era opcional. Já no século XIX, o chile en nogada era um prato exclusivamente de temporada – de agosto a setembro – devido à falta de refrigeradores e todos os insumos deviam ser consumidos frescos.

Adicionalmente, o doutor Peralta sentencia que o chile en nogada não é um prato barroco como se costuma dizer. A palavra “barroco” neste caso se refere mais a um adjetivo do que à época cultural ou ao estilo que ocorreu do século XVI ao XVIII. “Dizem que é um prato barroco pela sensorialidade e sensualidade de sua composição. É uma receita feita para agradar os sentidos: tem bom sabor, bom cheiro, soa bem – pela crocância do chile –”.

Por não haver um gênesis concreto, existem várias receitas e não apenas uma. Os registros falam de um chile poblano (variedade do capsicum annuum) recheado com um picadillo de porco. O picadillo, anteriormente chamado jigote, não era moído, mas picado finamente e era acompanhado por passas, pinhões, pedaços de nozes, amêndoas e algumas frutas como a maçã panochera, a pera lechera e o pêssego criollo. 

Alberto afirma que nas receitas do século XIX aparece a palavra “acitrón”, mas para o pesquisador não se trata de um acitrón proveniente da biznaga, mas de um tipo de cítrico que já não usamos. “É como um limão grande. Citrus, diziam, e tem um sabor meio alcalino, como a cal. Esse acitrón depois era cristalizado com açúcar e efetivamente se parecia com nossas frutas cristalizadas”. 

Finalmente, Peralta de Legarreta assegura que junto com outras receitas tricolor – assim como a bandeira mexicana – foram criadas ou recriadas a partir de 1917, pelo que conclui que bem poderia ser “um triunfo da ideologia mexicana”. Uma bandeira comestível que exalta nossa soberania, que propicia o orgulho cultural e o nacionalismo através de delícias como o pico de gallo, as enchiladas e os ovos divorciados ou o guacamole com cebola e tomate. Obrigado verde, branco e vermelho porque suas cores nos fizeram gritar também à mesa: ¡Viva México!