Na era do descartável, a permanência é um milagre. Por isso, que o restaurante Nicos complete 65 anos e respire com força deve ser comemorado. Já sabem, as elipses do tempo como nos filmes não existem. Este restaurante de Azcapotzalco teve que enfrentar sem atalhos as crises financeiras e sociais de um país, a queda do peso, a derrubada de um partido, guerras em fronteiras distantes, pandemias e modas que levam os comensais de um bairro a outro. Mas este lugar, apesar de não estar em nenhuma das coordenadas óbvias da cidade – onde além disso é fácil se perder pela oferta abundante – encontrou seu lugar no mapa culinário mundial.
O restaurante, aberto em 1957, não começa seu andar com um menu francês de ares petulantes. Sua história não conta o caminho de um chef converso pelo credo do local. O tópico gastronômico de Nicos sempre foi a cozinha tradicional de família exibida primeiramente por Raymundo Vázquez e Elena Lugo, sua esposa. Ao morrer seu pai, Gerardo Vázquez Lugo abandona a arquitetura e se dedica de corpo e alma ao legado familiar.
Gerardo me conta que não existe um segredo para a permanência. Em vez disso, é preciso caminhar; caminhar e tropeçar, virar e tentar algo novo, ganhar e perder. É preciso estar consciente para detectar a sutil mudança dos ares e estar aberto a tomar decisões. Para ele, provavelmente uma que mudou seu rumo foi ser pupilo de Alicia Gironella e, posteriormente, afiliar-se ao movimento Slow Food do qual a célebre chef do Tajín, em conjunto com seu esposo Giorgio D’Angeli, eram representantes.
Já sem essa afiliação, a filosofia do movimento ainda permeia as decisões macro e de corte fino do restaurante. O mais importante é o produto: sua qualidade, temporalidade e rastreabilidade. “É vital conhecer a origem e seu produtor, encurtar a cadeia de produção. E se não tem a parte social, não serve”, comenta Gerardo. O comércio deve ser justo e sustentável tanto para quem trabalha no campo quanto para o campo em si. Isso, sim. O chef do restaurante Nicos não só investe energia vital em buscar o ingrediente perfeito, mas também na pesquisa daquelas receitas perdidas nos anais da culinária mexicana.

As temporadas de frio, chuva e calor trazem diferentes ingredientes à mesa, por isso o menu de Nicos vai mutando como se estivesse vivo. Se a Gerardo se abre uma nova veia em sua pesquisa – talvez nessa temporada descubra um novo ingrediente ou uma nova região – isso se refletirá no menu. É como se o tempo, o destino e a causalidade desempenhassem um papel importante na criação da memória sápida do comensal que provará um menu e não outro.
Quando Gerardo fala de pesquisa, ele fala sério. Não é que seu estudo comece e termine na página de um livro antigo. O cozinheiro se imerge nas distintas regiões, compara saberes e sabores, reconhece diferenças e semelhanças de primeira mão. “Suponhamos que em uma região montanhosa de Veracruz temos duas cidades muito próximas, mas uma delas está do lado de Puebla. No final, continua sendo a mesma região. Por isso, é preciso defender essas pequenas e sutis diferenças que ao mesmo tempo nos fazem mais iguais a todos”, afirma enquanto me conta sobre seu fazer na área da pesquisa.
A declaração da cozinha tradicional do México como Patrimônio Imaterial da Humanidade deve muito ao seu trabalho e ao de outros estudiosos, como a doutora Gloria López Morales. Provavelmente essa seja uma das vitórias mais gratas que passaram pelo restaurante Nicos. Não é a única. Outra importante foi a incursão no Latin America’s 50 Best Restaurants ou o prêmio à trajetória em 2018, concedido pela mesma lista.
Das paredes de Nicos pendem todo tipo de reconhecimentos como a Guia de Restaurantes de Culinária Mexicana, a distinção MB de Marco Beteta, etcétera. Mas outro dos que mais orgulha a equipe é o de Wine Spectator, uma importante publicação americana especializada em vinhos que premiou a carta do restaurante por sua grande qualidade. “Era a primeira vez que um restaurante de nível médio de bairro, de cozinha mexicana que não fosse de luxo, fosse reconhecido com vinhos cem por cento mexicanos, ou seja, sem Petrus, sem Opus One, sem Vega Sicilia”, confirma o cozinheiro.
Como o bonito não tira o valor do corajoso, o meio ambiente ocupa vários itens na filosofia de Nicos. Gerardo me conta que, imitando a tradição mexicana, em sua cozinha se utiliza cada parte do ingrediente para conseguir quase um Zero Waste. Adicionalmente à separação de resíduos, com a pandemia foi implementada uma documentação detalhada de onde vai parar o vidro, o papelão e cada desperdício que sai de seu local. Dessa forma, a rastreabilidade faz um percurso que começa no campo, passa pela cozinha e chega até áreas de reciclagem completando um círculo virtuoso de boas práticas e de amor pela cultura, pela cozinha e pelo entorno.
Esta cidade e este país agradecem a existência de sua sopa de natas, de seus moles e adobos que nos mostram um perfil distinto a cada vez, do chile en nogada, do mojo isleño, as conchas e os ovos Azcapotzalco. Sempre dá vontade de ir comer no Nicos. Sempre dá vontade de comer bem e se sentir parte de um movimento cultural e social que alguns cozinheiros como Gerardo tornam possível à mesa, um prato de cada vez.